O presidente Lula e os formuladores da sua política externa estão preparando o terreno, politica e juridicamente, para permitir que o ditador Vladimir Putin compareça à reunião de cúpula do G20, o grupo dos vinte países mais ricos do mundo, que será realizada no Rio de Janeiro em novembro deste ano. Putin é acusado de crimes de guerra na Ucrânia e tem uma ordem de prisão contra ele emitida pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Como signatário do Estatuto de Roma, que criou o TPI, o Brasil teria que prender Putin tão logo pisasse em solo nacional.
Lula já disse em mais de uma ocasião que quer convidar Putin a se juntar aos outros líderes mundiais, muitos dos quais apoiam a Ucrânia com armas e dinheiro na guerra contra a invasão russa, no encontro no Brasil. A Rússia é um dos países que compõem o G20, mas seu governante tornou-se um pária internacional por sua agressão à soberania ucraniana.
Lula pode até querer agradar seu aliado e convidá-lo para a cúpula no Rio. Mas seu convidado não seria bem recebido pelos outros presentes.
Na semana passada, em visita ao Brasil, o presidente francês Emmanuel Macron deu um recado sutil ao colega brasileiro: se Lula quiser convidar Putin, é problema dele, mas pode pegar mal com os outros países que compõem o grupo. "Eu não tenho lição para dar a ninguém, mas quando o presidente Lula convida, ele é responsável por seus convites", disse Macron, um dos líderes europeus que mais tem verbalizado a preocupação com uma possível vitória de Putin na Ucrânia. Ele sugeriu que para tomar essa decisão, é preciso colocar na balança "a liberdade de quem convida e o respeito de todos" do grupo. E completou, sobre a reunião do G20: "Se houver um encontro que pode ser útil, é necessário fazê-lo. Se é um encontro que não é útil e vai provocar divisão, me parece não necessário fazê-lo. Estamos a serviço da paz e do interesse comum".
A mensagem é clara. Lula pode até querer agradar seu aliado e, numa tentativa de tirar Putin do isolamento, convidá-lo para a cúpula no Rio. Mas seu convidado não seria bem recebido pelos outros presentes. É uma saia justa desnecessária e, muito provavelmente, inócua, como veremos adiante.
Diante da necessidade de encontrar respaldo jurídico para desrespeitar o mandado de prisão internacional contra Putin, segundo informou o jornal Folha de S.Paulo, o governo Lula elaborou um parecer, enviado à ONU, que defende imunidade de jurisdição a chefes de Estado em relação a ações judiciais vigentes em outros países. Como a Rússia se retirou do Estatuto de Roma, não estaria sujeita às determinações do TPI mesmo se o seu presidente estiver em território de um país que reconhece o tribunal. Trata-se de uma tese jurídica altamente questionável, pois o compromisso de um país signatário é com o TPI, não com terceiros.
Todo esse fuzuê só serve para reforçar o apoio de Lula ao ditador russo e para espezinhar as potências ocidentais.
No ano passado, a África do Sul já enfrentou o dilema de encontrar uma saída jurídica para receber Putin durante um encontro de cúpula do Brics, bloco de países emergentes. O governo sul-africano acabou concedendo imunidade diplomática a todos os participantes da reunião, incluindo o ditador russo. Seria uma forma de não precisar prender Putin quando ele chegasse ao país. A manobra provou-se desnecessária, já que Putin decidiu não viajar à África do Sul.
O mais provável é que o mesmo aconteça com a reunião do G20. Putin tem motivos de sobra para não vir. Sem contar o constrangimento que sua presença causaria à diplomacia brasileira, pois certamente seria isolado pelos líderes ocidentais e atrapalharia as conversas de cúpula, há questões de segurança que dificultam bastante a sua viagem ao Brasil.
Desde o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022, todas as viagens internacionais de Vladimir Putin foram para países próximos à Rússia, situados na Ásia ou no Oriente Médio. Em sua maioria, ex-repúblicas da União Soviética, com exceção apenas de China, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Na viagem para os Emirados, o avião de Putin foi escoltado por quatro caças Sukhoi Su-35, o que dá uma ideia da preocupação do ditador com sua segurança quando sai das muralhas do Kremlin.
Putin não fez nenhuma viagem tão longa quanto o percurso de Moscou ao Rio de Janeiro — quase o dobro da distância para Pequim, na China, por exemplo. Além disso, a rota aérea mais curta passa sobre a Europa, o que seria inviável. Em 2013, o avião do então presidente boliviano Evo Morales, a caminho do seu país, foi obrigado a pousar em Viena, depois de visitar a Rússia, porque as autoridades europeias suspeitavam que ele pudesse estar transportando o ex-espião americano Edward Snowden. Não estava.
Putin teria que fazer um desvio para não passar pelo espaço aéreo europeu, que está fechado para aeronaves russas. Se houver algum problema no voo, há o risco de ele ter que pousar em algum país africano que reconhece a jurisdição do TPI. De qualquer forma, seria necessário fazer pelo menos uma parada para abastecimento.
Mesmo o governo Lula fazendo de tudo para não precisar prender Putin, a vinda dele à reunião do G20 no Rio de Janeiro é altamente improvável. Todo esse fuzuê só serve para reforçar o apoio de Lula ao ditador russo e para espezinhar as potências ocidentais.
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