Esse é um verdadeiro não assunto. Mas cá estamos falando dele. Causou furor a postagem de Guilherme Boulos, pré-candidato a governador de São Paulo pelo PSOL, de uma foto do ator Wagner Moura comendo acarajé no prato após a exibição do filme "Marighella", dirigido por ele, em ocupação do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) na quinta-feira (11). O tuíte, no dia seguinte, deu início à guerra do camarão nas redes sociais.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), concluiu que existe o "MTST raiz e o MTST nutela", o primeiro formado pelos sem teto que passam fome e, o segundo, por uma elite de dirigentes que comem camarão.
Outros políticos ou influenciadores bolsonaristas ironizaram a foto acusando Boulos e Moura de hipocrisia, por comerem "quentinha" com camarão, supondo que para o restante dos presentes o cardápio era mais modesto (sanduíche de mortadela, por exemplo) ou inexistente.
Esses foram os comentários mais leves. Houve outros, mais pesados. A maioria das críticas foi tremendamente exagerada. E demagógicas.
Demagógicas porque, de fato, não há nada de errado em o MTST servir vatapá de camarão em um de seus eventos.
Teve gente na esquerda fazendo contas para provar que camarão seco é mais barato do que carne vermelha de segunda. Boulos, igualmente demagógico, acusou os "direitistas" de desconhecerem a "cultura brasileira". Revelou, também, que a comida servida no jantar de exibição do filme havia sido doada por um restaurante que faz delivery de acarajé.
Ainda que não fosse mais barato que carne. Ainda que não fosse doação. Os integrantes e líderes do MTST e seus convidados, como qualquer brasileiro, têm o direito de comer o que quer que sejam capazes de comprar ou de ganhar.
Sua visão de mundo, sua ideologia e suas reivindicações políticas nada têm a ver com isso.
Mas a demagogia da guerra do camarão, é bom que se diga, começou com Boulos. Ao postar a foto de Wagner Moura com o boné do MTST e prato de plástico na mão, ele escolheu as palavras a dedo para exaltar a suposta humildade do ator/diretor ao unir-se ao "povo", ali representado pelos sem teto, a ponto de compartilhar com eles uma simples "quentinha".
É evidente que Boulos escolheu a foto de Moura comendo de pé e falou em "quentinha", e não em "acarajé no prato" (expressão usada por ele na segunda postagem, depois que a guerra do camarão já havia sido deflagrada), porque queria reforçar o caráter "humilde" da cena.
Vejamos o efeito da postagem substituindo as expressões no texto do tuíte de Boulos: "Wagner Moura comendo acarajé no prato na ocupação do MTST onde fizemos ontem a exibição popular de Marighella. Foi potente! Viva a luta do povo!"
Não seria a mesma coisa. Comer "quentinha na ocupação do MTST", como aparece originalmente na postagem de Boulos, enquanto se contribui para "luta do povo" tem outro significado. É muito mais "potente" como sinalização de virtude.
O primeiro demagogo na guerra do camarão, portanto, foi o líder do MTST e eterno candidato a tudo Guilherme Boulos. A escolha da foto e o texto que a acompanha serviram para simular humildade e uma conexão com o estilo de vida do "povo" com a finalidade escamoteada de obter ganhos políticos, despertando simpatia pela causa.
As críticas dos bolsonaristas foram pelo mesmo caminho, só que com sinal trocado. Elas resvalam para a demagogia ao apresentar uma falsa incompatibilidade entre o cardápio do evento e o caráter popular e/ou esquerdista do movimento dos sem teto.
Na guerra do camarão, que refletiu a polarização política existente no Brasil, os dois lados se degladiaram com a mesma arma: a demagogia.
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