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Diogo Schelp

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Política

O nacionalismo brasileiro tem futuro?

patriotismo bandeira
Hasteamento da Bandeira Nacional no Palácio do Alvorada. (Foto: Marcos Correa/Presidência da República)

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O movimento político que elegeu e sustentou Jair Bolsonaro, e que culminou nos atos do fatídico dia 8 de janeiro em Brasília, merece ser estudado a fundo por historiadores e cientistas políticos. Uma das abordagens para se compreender esse fenômeno político, que arrebatou corações e fraturou a sociedade brasileira, é analisá-lo como parte da onda de nacionalismo que começou a varrer o mundo a partir da segunda década deste século.

Uma boa e atual introdução ao assunto é feita pelo recém-lançado livro Nações e Nacionalismos — Uma história global do sentimento nacional, dos extremismos e dos conflitos (Editora Contexto), do historiador austríaco Florian Bieber, presidente da Association for the Study of Nationalities (ASN).

Para que o pertencimento à nação seja completo, é preciso que a escolha do indivíduo coincida com a aceitação dos outros, do coletivo.

Bieber inclui Bolsonaro na mesma categoria de líderes como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Narendra Modi, na Índia. Mas falaremos disso mais adiante. Antes, é preciso esclarecer a distinção que o autor faz entre nacionalismos negativos e positivos, e entre nacionalismo e patriotismo.

O nacionalismo, afirma Bieber, muitas vezes tem conotações negativas, associadas a movimentos autoritários, mas nem sempre esse é o caso. Ele pode ser positivo, por exemplo, quando é de tendência inclusiva e não violenta, aglutinando grupos e identidades minoritárias (políticas, étnicas etc.) em vez de excluí-los da noção de pertencimento à nação.

Para que o pertencimento à nação seja completo, é preciso que a escolha do indivíduo coincida com a aceitação dos outros, do coletivo. "Os indivíduos têm que se identificar com uma nação, mas, para ser efetiva, essa identificação requer o consentimento da comunidade mais ampla", escreve Bieber. Em outras palavras, não basta uma pessoa se considerar brasileira, ou alemã ou ucraniana, é preciso que os outros brasileiros, alemães ou ucranianos a aceitem como tal.

O populista, em essência, procura representar "o povo" (um bloco monolítico de cidadãos que supostamente são maioria) contra uma "elite", que pode assumir diversas formas.

Nesse sentido, o nacionalismo pode ser includente ou excludente. É includente quando facilita a entrada de novos membros ou quando não possui limitações muito rígidas do que pode ser aceito como parte do coletivo nacional. Por exemplo, nações formadas por grandes ondas migratórias, como Brasil e Estados Unidos, tendem a ser mais includentes do ponto de vista étnico. Mas isso não significa que dentro dessas nações não possam existir movimentos nacionalistas de cunho excludente, que pode se voltar contra determinados grupos étnicos ou mesmo contra posições políticas divergentes. Isso porque, como explica Bieber, muitas vezes há ideias concorrentes e "conflitantes sobre como definir a nação", inclusive em termos ideológicos, de divisão entre esquerda e direita, ou entre progressistas e conservadores.

A outra distinção feita por Bieber é a que existe entre nacionalismo latente e virulento. O nacionalismo latente é constante e firme, pode-se dizer estrutural, pois molda a sociedade por meio de símbolos, memórias e outros elementos do cotidiano da nação que são muitas vezes sutis e quase imperceptíveis. Já o nacionalismo virulento é o que geralmente explode nas manchetes em reação a choques internos ou externos ou em rejeição ao status quo (contra a elite política ou contra "a cultura do politicamente correto", por exemplo), de forma agressiva ou violenta. Trata-se, portanto, do nacionalismo que se pretende revolucionário.

O bolsonarismo deu voz a opiniões que antes se calavam frente a ideias sociais dominantes.

A combinação entre essas duas formas de distinção, seja em intensidade (latente ou virulento) e em nível de exclusão (includente e excludente), gera quatro categorias de nacionalismos: latente includente, latente excludente, virulento includente e virulento excludente.

Em um extremo dessas classificações está o nacionalismo latente includente, que tem conotação positiva e costuma ser chamado de "patriotismo". No outro extremo, está o nacionalismo virulento excludente, que reage com agressividade a tudo o que é visto como ameaça a um estilo de vida que se idealiza como sendo "puro" ou parte da "verdadeira" identidade nacional.

O fato de cidadãos que se caracterizam por seu nacionalismo virulento excludente se dizerem "patriotas" não os transforma automaticamente em nacionalistas latentes includentes. O que os define não é o nome que dão a si mesmos, mas o nível de agressividade do discurso e de seus métodos e o quanto aceitam incluir grupos com subidentidades distintas, inclusive ideológico-partidárias.

O nacionalismo e globalização são lados opostos da mesma moeda, e os elementos para a coexistência entre ambos estão aí até onde se consegue vislumbrar o futuro.

"Nossa bandeira jamais será vermelha", diziam os autointitulados "patriotas" que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro — e por aí já se sabe que eram nacionalistas virulentos excludentes.

Assim chegamos a Jair Bolsonaro e seu movimento político. Bieber observa que líderes nacionalistas geralmente têm como alvo "compatriotas que são membros "não confiáveis" da nação, usam outras nações ou minorias como bodes expiatórios ou direcionam suas queixas contra alguma elite global". Quem não se lembra da política externa antiglobalista do ex-chanceler Ernesto Araújo, na primeira metade do governo Bolsonaro? Era exatamente isso.

Mas a inserção de Bolsonaro no contexto da atual onda nacionalista mundial vai além. Bieber define o fenômeno que vai de Trump a Narendra Modi, de Bolsonaro a Viktor Orbán, na Hungria, como etnopopulismo, uma intersecção entre nacionalismo e populismo. O populista, em essência, procura representar "o povo" (um bloco monolítico de cidadãos que supostamente são maioria) contra uma "elite", que pode assumir diversas formas (a "velha" imprensa, a "velha" política, as ongs etc).

Quando se define o povo em termos nacionais, criando uma simbiose entre populismo e nacionalismo, obtém-se o etnopopulismo.

O fato de o discurso populista ser intrinsicamente monopolista, no sentido de reivindicar ser o único legítimo representante da maioria do "povo", faz com que seus líderes não consigam lidar muito bem com derrotas eleitorais.

Bieber não vê, no horizonte, sinais de arrefecimento do etnopopulismo — até porque ele avalia que nunca houve, de fato, um declínio dos nacionalismos. Além disso, nacionalismo e globalização são lados opostos da mesma moeda, e os elementos para a coexistência muitas vezes conflituosa entre ambos estão aí até onde se consegue vislumbrar o futuro.

No Brasil, não é diferente. O bolsonarismo deu voz a opiniões que antes se calavam frente a ideias sociais dominantes. O debate público no atual governo se dará em condições bastante diferentes do que ocorreu 20 anos atrás, nas primeiras gestões petistas.

O desafio será canalizar a energia desse nacionalismo para algo menos virulento e mais inclusivo. Será possível?

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