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censura do TSE
Jair Bolsonaro com seus filhos Flávio, Eduardo e Carlos| Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

O combate judicial às fake news nessas eleições falhou, conforme previsto. Falhou porque as notícias fraudulentas — ou seja, mentiras travestidas de informação, melhor definição para as fake news — continuam inundando grupos de WhatsApp e a timeline das redes sociais. Mas, principalmente, falhou porque em diversas ocasiões resvalou para o cerceamento da liberdade de expressão e de imprensa. A recente censura do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) à Gazeta do Povo é um exemplo disso. Mas está longe de ser um caso isolado.

Não há nenhuma surpresa nesse fracasso. A disputa eleitoral este ano está mais suja do que pau de galinheiro, com a discussão de propostas de governo sendo completamente abandonadas em prol de um embate em que se explora a rejeição ao adversário com base em acusações apelativas, de cunho pessoal ou religioso. Nesse contexto, a produção e a disseminação de mentiras ou de fatos desvirtuados vicejam.

Um exemplo da distorção dos fatos é a peça de propaganda divulgada pela campanha de Lula que mostra Bolsonaro, em entrevista de 2016, dizendo que comeria carne humana. Os trechos das falas do então deputado Bolsonaro foram tirados de contexto no vídeo editado pelo PT. A pedido da campanha do presidente, o TSE ordenou à equipe de Lula a retirada do ar da peça difamatória.

Outro exemplo de informação falsa que vem sendo divulgada ad nauseam, neste caso por políticos e influenciadores ligados a Bolsonaro, é a de que Lula tem como projeto político perseguir cristãos ou acabar com a liberdade religiosa no país. É o caso de uma postagem no Instagram de Flávio Bolsonaro, senador e filho do presidente, em setembro, que afirmava que em 2010 Lula havia assinado um decreto para "banir a religião cristã". Uma mentira deslavada, obviamente.

Lula, quando presidente, nunca perseguiu cristãos. Ao contrário, nos seus anos de governo o número de membros das diversas denominações evangélicas cresceu enormemente, passando de 15,4% para 22,2% da população, segundo dados do IBGE.

Publicações desse tipo, inclusive algumas feitas por outro filho presidencial, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, também foram derrubadas por ordem do TSE. O problema é que, na mais recente dessas decisões, também foram proibidas postagens absolutamente verídicas, como uma da Gazeta do Povo que tratava do fechamento do canal CNN na Nicarágua e da relação de Lula com o governo daquele país. É verdade que o regime de Daniel Ortega é uma ditadura que persegue católicos e jornalistas. E é verdade que Lula já minimizou o autoritarismo de Ortega e que permanece em silêncio sobre seus mais recentes abusos.

A supressão da postagem da Gazeta do Povo é, sem dúvida alguma, um ato de censura do TSE e merece todo o repúdio. Assim como já foram censurados os sites O Antagonista por noticiar a preferência dos líderes do PCC por Lula e o portal UOL por informar sobre a compra de imóveis em dinheiro vivo por familiares de Bolsonaro (esta uma censura feita pela Justiça a pedido de Flávio Bolsonaro e derrubada pelo STF).

Esse é o problema de se conferir ao Estado, por meio de juízes ou ministros da Justiça Eleitoral, o poder de decidir o que pode ou não ser dito: acaba-se proibindo, em meio a afirmações realmente falsas, também verdades incontestáveis ou interpretações dos fatos que, apesar de polêmicas ou discutíveis, são legítimas.

O TSE tem a atribuição de regular o que as campanhas divulgam na forma de propaganda, entre outros motivos para garantir um mínimo de civilidade no debate eleitoral, que no caso da veiculação "gratuita" em rádio e TV é bancada pelo Estado via renúncia fiscal.

Bem mais pantanosa torna-se essa arbitragem quando se estende para além dos limites da propaganda eleitoral, alcançando a imprensa e a grande praça pública virtual que são as redes sociais.

Não se pode admitir que, a pretexto de garantir a lisura da campanha eleitoral, se promova a censura do TSE a veículos de imprensa. E, no caso das postagens em redes sociais, bem mais democrático e efetivo, em vez de julgar o que é verdade ou mentira em postagens individuais e específicas, seria coibir o comportamento inautêntico — ou seja, o uso de robôs e perfis falsos e o disparo em massa de mensagens de cunho político-eleitoral.

Teria sido possível implantar esse modelo já para essas eleições, mas o grupo político do presidente Jair Bolsonaro foi contra. Por que será?

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