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Em 2019, quando fazia a pré-campanha para a eleição presidencial do ano seguinte, da qual saiu vitorioso, Joe Biden deu a entender que seu plano era cumprir apenas um mandato. Ele seria um presidente de transição, com o objetivo de interromper o ciclo de Donald Trump na Casa Branca e de preparar o terreno para a nova geração de líderes do Partido Democrata. Ele permitiu que seus assessores divulgassem em conversas privadas com jornalistas que a intenção era, inclusive, a de alavancar o nome de sua vice, Kamala Harris, para que ela pudesse sucedê-lo.
Por trás dessa estratégia de comunicação estava a tentativa de amainar uma das preocupações do eleitorado em relação à candidatura de Joe Biden: sua idade avançada. Ele tinha naquele momento 77 anos, e os eleitores se perguntavam se o democrata, que já havia sido pré-candidato à Presidência na década de 1980, conseguiria chegar ao fim do mandato e se tinha o vigor físico e mental para dar conta do recado.
Biden acredita ser o único capaz de evitar o retorno de Trump ao comando do país, caso os processos na Justiça não impeçam o ex-presidente de se candidatar.
Aos 80 anos, Joe Biden já é o presidente mais idoso da história dos Estados Unidos e, na semana passada, anunciou que pretende buscar a reeleição. Se conseguir mais um mandato nas eleições do ano que vem, deixará o cargo com 86 anos. Por que Joe Biden não cumpriu o plano de fazer um mandato de transição? Não é apenas o gosto pelo poder e a premissa básica de que ninguém que o tem nas mãos quer largá-lo. Existe um cálculo político-eleitoral por trás dessa decisão que é compartilhado pela maior parte da cúpula do Partido Democrata.
O cálculo baseia-se na convicção de que, quase certamente, o adversário, pelo Partido Republicano, será o ex-presidente Donald Trump, derrotado por Biden em 2020. E, atualmente, os democratas não têm um nome forte ou com as características necessárias para vencer Trump, que aparece na frente em praticamente todas as pesquisas de intenção de voto. Nem mesmo, ou muito menos, Kamala Harris, cuja falta de apelo popular tem decepcionado aqueles, inclusive o próprio Biden, que viam nela uma potencial sucessora.
Trump se considera um perseguido político e justamente por isso deve voltar ainda mais radical do que antes.
Ainda assim, ela aparece treze vezes no vídeo de 3 minutos que o Partido Democrata divulgou na semana passada para lançar a pré-candidatura à reeleição de Biden. Prova de que ela ainda é a melhor aposta do presidente para o futuro, ao menos por enquanto, e prova também de que ela terá um papel importantíssimo para fazer o trabalho pesado na campanha.
Quando Joe Biden venceu as eleições em 2020, o mundo e os Estados Unidos estavam em plena pandemia de Covid-19. Comícios, reuniões e viagens de campanha estavam limitados por motivos sanitários. Foi uma campanha muito menos desgastante em termos físicos do que o normal. Em 2024 vai ser diferente. A rotina insana de uma disputa eleitoral vai retomar a tradição americana. Harris vai ter a missão de rodar o país para pedir votos para a chapa, enquanto Biden deverá se concentrar naqueles estados que lhe garantiram a vitória em 2020 e que deram aos democratas um bom resultado nas eleições legislativas de meio de mandato do ano passado.
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Isso porque, nos Estados Unidos, a escolha do presidente é indireta, por meio de um colégio eleitoral cujos delegados são definidos pela votação em cada estado. Alguns estados votam tradicionalmente nos republicanos. Outros dão seus delegados invariavelmente aos democratas. Mas há os estados onde a disputa é apertada, ora pendendo para um lado, ora para o outro. São os swing states.
Decisivos para Biden em sua vitória contra Trump foram estados como Georgia, Pensilvânia, Arizona e Wisconsin. Ele deve centrar seus esforços mais uma vez nesses lugares.
Biden não pede voto por aquilo que ele fez no governo, mas para derrotar o "extremismo" republicano
No vídeo em que anunciou sua busca pela reeleição, Joe Biden deixou claro que, assim como em 2020, o principal motivo pelo qual os americanos devem dar seu voto a ele é o de manter Trump longe da presidência. Biden não pede voto por aquilo que ele fez no governo, mas para derrotar o "extremismo" republicano, para salvar a liberdade e a democracia americana. O vídeo começa, aliás, com imagens da invasão do Capitólio por apoiadores de Trump em 6 de janeiro de 2021, o antecedente estadunidense do golpismo de 8 de janeiro no Brasil.
A estratégia de se apresentar como o melhor candidato anti-Trump que os americanos podem ter funcionou bem em 2020, quando Biden desafiava um presidente desgastado com os problemas sociais, sanitários e econômicos decorrentes da pandemia.
Lula se apresenta como o salvador dos valores democráticos e institucionais do Brasil. Esse é o seu maior apelo.
Mas agora é Biden quem está no poder e, como sempre, a situação econômica do país será determinante para o sucesso ou o fracasso de sua empreitada por mais um mandato. É Biden quem está na vitrine, ele é o responsável e será cobrado por isso. Pelo lado positivo, a taxa de desemprego é uma das mais baixas da história. Pelo lado negativo, a inflação está alta, ainda que em desaceleração, e a taxa de juros, também. A renda dos cidadãos está estagnada, e isso pode pesar contra Biden.
Biden acredita ser o único capaz de evitar o retorno de Trump ao comando do país, caso os processos na Justiça não impeçam o ex-presidente de se candidatar. Trump se considera um perseguido político e justamente por isso deve voltar ainda mais radical do que antes. Ele questionou o resultado das eleições e incentivou os apoiadores a empastelar a concretização da vitória de Biden. Por esse motivo, Biden se apresenta como o salvador dos valores democráticos e institucionais dos Estados Unidos. Esse é o seu maior apelo. Mas a idade avançada (ele terá 82 anos no dia da posse) e o estado da economia podem pesar contra.
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O parágrafo acima pode ser reescrito para descrever a provável realidade brasileira daqui a três anos. Antes, algumas ressalvas. Lula ainda não confirmou se pretende disputar a reeleição, apesar de já ter admitido que essa é uma possibilidade. Assim como Biden, ele sinalizou durante a campanha que poderia cumprir apenas um mandato. Mas, ao contrário de Biden, que vinha há décadas tentando chegar à presidência, Lula já esteve lá e acabou preso por corrupção. O brasileiro voltou movido pelo ressentimento e com o intuito de limpar seu nome. Ressalvadas essas diferenças, podemos sintetizar as semelhanças com a reformulação do parágrafo acima da seguinte forma:
Lula acredita ser o único capaz de evitar o retorno de Jair Bolsonaro ao comando do país, caso os processos na Justiça não impeçam o ex-presidente de se candidatar. Bolsonaro se considera um perseguido político e justamente por isso deve voltar ainda mais radical do que antes. Ele questionou o resultado das eleições e incentivou os apoiadores a empastelar a concretização da vitória de Lula. Por esse motivo, Lula se apresenta como o salvador dos valores democráticos e institucionais do Brasil. Esse é o seu maior apelo. Mas a idade avançada (ele terá 81 anos no dia da posse) e o estado da economia podem pesar contra.