Na sexta-feira (31), a Polícia Federal (PF) prendeu dois suspeitos de fazerem ameaças a Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e à sua família. Um deles é 2º sargento fuzileiro naval. A solicitação foi feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR), e a autorização para as prisões foi dada pelo próprio Moraes, que deveria ter se declarado impedido.
O STF é a instância competente para cuidar do caso pois a PGR entendeu que houve, nas ameaças, tentativa de restringir o exercício livre da função judiciária — com o objetivo de abolir o Estado Democrático de Direito por meio de grave ameaça ou violência. Ou seja, na ameaça a Moraes, o Supremo também é vítima.
Mas não poderia estar nas mãos do próprio Moraes relatar um caso em que ele e sua família são vítimas diretas. Um juiz não pode ser vítima e julgador ao mesmo tempo. Criticado por não ter se desvinculado do caso, Moraes decidiu no dia seguinte dividir o processo em dois. Em um, que diz respeito às ameaças em si, ele se declarou impedido. Ou seja, o processo será redistribuído à outro integrante do STF. No outro, que diz respeito a considerar essas ameaças como crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, Moraes continuará como relator, sob a justificativa de que está relacionado ao inquérito das milícias digitais.
Ou seja, Moraes segue como o responsável por instruir o processo de duas pessoas que supostamente fizeram ameaças a ele e à sua família. O fato de ter se declarado impedido na parte que diz respeito aos crimes de ameaça pessoal, remetendo o inquérito para outro ministro do Supremo, não muda em nada a constatação de que ele tem nas suas mãos os destinos dos suspeitos de lhe fazer ameaças.
Com a desculpa de defender o Estado Democrático de Direito, viola-se o Estado Democrático de Direito — que tem como um dos princípios, expressos na Constituição, a legalidade, o que pressupõe respeito ao devido processo legal. Isso significa ter direito a um julgamento justo, conduzido por juízes independentes, competentes e imparciais.
Não existe democracia funcional se um juiz tem a possibilidade de conduzir o processo de alguém que supostamente lhe fez mal ou ofendeu. Não importa se é em um processo sobre isso ou aquilo.
O fato é que, mesmo com parte do inquérito indo para a relatoria de outro ministro, Moraes continua com o poder de manter essas pessoas presas, em vez de dar a elas o direito de enfrentar a fase das investigações em liberdade, por exemplo. E mesmo que todos os procedimentos judiciais sejam seguidos à risca, sem falhas, o julgamento continuará não parecendo justo ao final, porque quem relatou o inquérito e instruiu o processo tinha interesse pessoal no caso. Justamente para evitar esse tipo de situação, existe a possibilidade de um juiz se declarar impedido de atuar em um caso. Para garantir a imparcialidade, para evitar conflito de interesses e para evitar que o julgamento seja contaminado por dúvidas da sociedade.
As ameaças relatadas são graves? São. Segundo informações trazidas à tona pela imprensa profissional, os investigados fizeram ameaças por e-mail com menções a uma bomba e ao itinerário habitual da filha de Moraes. Está certa a PGR em não querer esperar para ver se tudo não passava de bravata.
Mas, até para dar credibilidade à investigação, o caso não poderia estar nas mãos de Moraes. Nem inteiro, nem pela metade.
Esse tipo de situação tem se tornado recorrente. No ano passado, por exemplo, Moraes assumiu formalmente o papel de assistente de acusação no processo que investigava o episódio ocorrido em julho no aeroporto de Roma, no qual ele próprio e o seu filho afirmavam terem sido hostilizados por uma família de brasileiros. O inquérito era relatado pelo ministro Dias Toffoli.
O caso provou-se um tremendo exagero. No fim, a PF encerrou o caso concluindo que o filho de Moraes havia sofrido injúria, mas não indiciou ninguém pois tratava-se de um crime de menor monta e que ocorreu em outro país.
Episódios assim, em que ministros do STF podem se colocar ao mesmo tempo como vítima, acusador e juiz, apenas aumentam a percepção da população de que a Corte mais alta do país não age com isenção. E isso é péssimo, pois uma democracia precisa de confiança na Justiça, na convicção de que todos são de fato tratados como iguais perante a lei — ainda mais por parte da última instância judicial.
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