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É verdade esse bilhete: Felipe Neto, o youtuber, vai ajudar o governo Lula a desenvolver "estratégias de combate ao discurso de ódio e ao extremismo". O grupo de trabalho vai contar com outros 28 integrantes e vai ser presidido pela ex-candidata a vice-presidente Manuela d'Ávila (PCdoB-RS). A lista inclui um ou outro nome de relevo nos estudos da propagação de fake news e da regulação das redes sociais, como é o caso do jurista Ricardo Campos, professor a Universidade Goethe, em Frankfurt, na Alemanha. De resto, não se pode esperar muita coisa boa do resultado das reuniões. Na melhor das hipóteses, vai dar em nada. Na pior, vai gerar sugestões de políticas públicas ou de leis que, no limite, poderão servir de instrumento para a censura. De imediato, a iniciativa aumenta a pressão pelo adesismo de jornalistas, acadêmicos e personalidades ao governo Lula.
O adesismo a que nos referimos significa, segundo o dicionário Aulete, a "prática de aderir, por oportunismo ou interesse próprio, a uma facção ou partido político, a uma política, a uma conjuntura etc" ou a "tendência de adotar frequentemente essa prática, ou de aderir às ideias mais aceitas".
Qualquer coisa fora da adesão ao governo Lula pode ser perigosamente confundida com golpismo em alguns círculos sociais ou profissionais.
O adesismo político, portanto, pressupõe um comportamento de manada, de seguir a corrente (jamais contra ela) que vem sendo adotada pela maioria de um grupo social ou profissional, para garantir a própria aceitação no grupo, por interesses pessoais diversos ou pelo temor de ser visto como um pária, ainda que injustamente.
É exatamente desse fenômeno que o governo Lula, ainda em seu segundo mês, está se beneficiando — em grande parte por culpa dos atos de vandalismo do dia 8 de janeiro, em Brasília. A confirmação dos intuitos antidemocráticos da ala mais radical do movimento político que dava sustentação ao bolsonarismo gerou um contexto em que qualquer coisa fora da adesão ao governo Lula pode ser perigosamente confundida com golpismo em alguns círculos sociais ou profissionais.
O resultado são jornalistas, colunistas ou comentaristas não se limitando a vocalizar seu adesismo a Lula, mas também se dedicando a patrulhar aqueles que se arriscam a criticar o presidente e suas intenções. Surgiram, por exemplo, expressões pejorativas como "cercadinho do mercado" para se referir à imprensa que expressou preocupação com a guerra de Lula contra o Banco Central na questão dos juros, em referência ao cercadinho no Palácio do Alvorada onde todas as manhãs o ex-presidente Jair Bolsonaro falava exclusivamente aos seus apoiadores, sem contestação ou questionamentos de jornalistas.
Acadêmicos, jornalistas e personalidades estão abdicando de pensar por conta própria e de exercer o espírito crítico.
Também começou a aparecer o fenômeno dos professores e pesquisadores que, na ansiedade de mostrar que são a favor do governo (e, portanto, na cabeça polarizada, que são "democráticos" e antigolpistas), chegam a ignorar ou reinterpretar seus próprios estudos acadêmicos que, pelos dados que trazem ou pelas conclusões a que chegam originalmente, podem embasar críticas às políticas lulistas.
Ou seja, acadêmicos, jornalistas e personalidades estão abdicando de pensar por conta própria e de exercer o espírito crítico, ainda que apenas parcialmente direcionado ao governo, na ânsia de serem aceitos pela turminha ou por medo de serem patrulhados e cancelados.
Esse ambiente de patrulhamento partidário é propício para o governo Lula dar início a seu plano antigo de "regular a mídia" e, assim, de estabelecer, por meio de leis ou medidas governamentais, o que pode ou não ser dito.
Para o governo Lula, só existe discurso de ódio e extremismo de direita, mas não de esquerda.
O objetivo, já declarado, é aproveitar esse consenso contra o golpismo de cores bolsonaristas e adotar medidas para "regular a mídia". Antes de evento sobre o assunto em Paris, organizado pela Unesco, o ministro Roberto Barroso disse: "Acho que vai se formando um consenso global de que é preciso regulamentar as mídias. Quando surgiu a internet, havia uma certa ideia de que ela devia ser livre, aberta e não regulada, uma visão um pouco libertária que infelizmente o tempo não confirmou a sua possibilidade".
Lula enviou para a mesma conferência uma carta em que defende a necessidade de regulamentar as plataformas digitais. De fato, é uma prioridade para o seu governo, que articula para colocar a Lei das Fake News em votação na Câmara dos Deputados já em março. O problema não é o projeto de lei em si, de autoria do senador Alessandro Vieira e relatado na Câmara por Orlando Silva (PCdoB-SP). Esse tem pontos positivos. O problema são as alterações de última hora que o governo quer fazer no texto-base, para incluir dispositivos mais rígidos para controlar o conteúdo nas redes. O risco é resvalar para a censura.
Quando um governo de esquerda cria um grupo de trabalho, composto por uma miscelânea de intelectuais e militantes-celebridades, com o objetivo de desenvolver estratégias contra o "discurso de ódio" e contra o "extremismo", sem nomear integrantes notoriamente de direita para participar das discussões, seu objetivo é claramente o de criar um fato midiático para reforçar o ambiente de adesismo.
A mensagem que se passa é: quem não está representado politicamente dentro do grupo de trabalho, pela lógica, situa-se potencialmente no limiar do "extremismo" que se pretende combater. Ou seja, para o governo Lula, só existe discurso de ódio e extremismo de direita, mas não de esquerda.
Isso é democrático?