O que o presidente Jair Bolsonaro tem a aprender com Gabriel Medina? Certamente não é a fazer manobras aéreas com a prancha de surf. O único esporte aquático ao qual o presidente eventualmente se dedica é o jet ski, e sentado. O que Gabriel Medina pode ensinar a Bolsonaro é a importância de saber o momento certo de recuar.
Na semana passada, enquanto o presidente se via às voltas com a crise entre os poderes por causa das suas ameaças de não permitir eleições de 2022 caso não seja implementado o comprovante impresso do voto eletrônico, o campeão de surf enfrentava sua própria polêmica.
Medina afirmou em uma live que não poderia participar da última etapa do campeonato mundial de surf, em Teahupoo, no Taiti, porque não tomou a vacina contra covid-19 e, portanto, precisaria fazer uma quarentena de dez dias depois da etapa do México, que acontece esta semana. "Vou ser obrigado a não ir. Sacanagem. Mas de boa."
Sacanagem? Medina teve várias oportunidades de se vacinar. O Comitê Olímpico do Brasil (COB) garantiu que todos os atletas pudessem tomar as doses em dois períodos entre maio e julho. Mesmo se não estivesse no Brasil nas datas da imunização do COB, antes de ir para Tóquio Medina passou pelos Estados Unidos, onde tem vacina sobrando e é possível se imunizar até no supermercado. Além disso, depois que voltou dos Jogos Olímpicos para sua casa, em Maresias (SP), o surfista teve mais uma chance de se vacinar, pois o município acabara de abrir a imunização para pessoas com 18 anos em diante.
Diante da repercussão do caso, Medina postou no dia seguinte nas suas redes sociais uma espécie de mea culpa: "Vacina salva vidas, galera! Foi um erro eu não ter conseguido encaixar a imunização na minha agenda de treinos pros desafios desse ano. Focado no campeonato mundial. Mas em breve tomarei a minha. Enquanto isso, sigo tomando todos os cuidados e seguindo os protocolos de segurança."
Por falar em protocolos, o que se vê acima é uma resposta protocolar, é claro. Mas é uma demonstração de que Medina avaliou os prejuízos (pressão dos patrocinadores, entre outros) de ser visto como alguém que estava dando mau exemplo para seus fãs e resolveu recuar. O importante era a admissão do erro e bola pra frente.
Bolsonaro deveria mirar-se em Medina e reconhecer que é o momento de recuar em seus embates contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), independentemente de a PEC do comprovante impresso do voto ser ou não aprovada no Congresso Nacional — já que, apesar da derrota na comissão especial, Arthur Lira (PP-AL) pode colocá-la para votação no plenário.
A discussão em torno de melhorias no sistema de votação é legítima, mas a estratégia escolhida por Bolsonaro foi, de início, contraproducente e, por fim, criminosa. Sim, é crime previsto no Código Eleitoral a denúncia falsa com finalidade eleitoral. Bolsonaro passou mais de um ano dizendo que tinha provas de fraudes nas eleições de 2018 e, duas semanas atrás, reconheceu que não as possuía. Nem por isso deixou de atentar contra a credibilidade do processo eleitoral e a aventar a possibilidade de sequer permitir a votação em 2022.
As ameaças passaram de qualquer limite aceitável. É hora de Bolsonaro fazer como Gabriel Medina e recuar. Mesmo que, no fundo de sua alma, se considere um grande injustiçado. Do contrário, estará impingindo um grande dano à democracia — e ao próprio futuro político.
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