Estamos vendo na Síria imagens tardias da Primavera Árabe. Com treze anos de atraso, o ditador sírio Bashar Al-Assad foi apeado do poder e as estátuas do seu pai Hafez Al-Assad, o tirano sanguinário de quem herdou o cargo, estão sendo derrubadas nas praças de Damasco. A Primavera Árabe foi uma onda de protestos que varreu o norte da África e alguns países do Oriente Médio contra regimes autoritários que duravam décadas na região. Em certos países atingidos pela Primavera Árabe, houve a derrubada dos governos e longos períodos de instabilidade. Em outros, os protestos foram esmagados, como no Bahrein. Em outros ainda, deram início a guerras civis, como na Líbia e na Síria.
A guerra civil síria durou mais tempo e gerou muitos problemas não só para a população local, que perdeu meio milhão de vidas, mas também para a segurança global, com o surgimento do Estado Islâmico, que promoveu atentados terroristas ao redor do mundo. Agora, tardiamente, a Síria fecha esse capítulo iniciado pela Primavera Árabe. Mas, assim como aconteceu em outros países que tiveram seus governos de longa data derrubados, o que vem depois não é exatamente democracia.
Pelo perfil do grupo que agora assume o poder, o mais provável é que tenhamos uma nova teocracia na Síria. O Hayat Tahrir al-Sham (HTS) nasceu da frente Al Nusra, um ramo do grupo terrorista Al Qaeda. Teocracia é um governo autoritário que tem a religião como elemento central das leis, dos costumes e da organização da sociedade. No caso da Síria, o que pode vir a ser instalado é uma teocracia islâmica de vertente sunita. E mais especificamente, de inspiração wahabista, uma corrente fundamentalista originária da Arábia Saudita.
Há quem tenha esperança de que o grupo que tomou Damasco, o HTS, adote uma postura pragmática para poder governar, aglutinando as diferentes divisões étnicas e religiosas que compõem a população síria. O país é majoritariamente árabe, mas também tem 9% de curdos. Do ponto de vista religioso, é majoritariamente sunita, com 75% da população pertencendo a esse ramo do islamismo, mas possui também 12% de alauítas, corrente à qual pertence o deposto ditador Assad, 10% de cristãos e 3% de outras minorias, incluindo druzos e xiitas, a vertente islâmica predominante no Irã. Nas cidades que haviam sido dominadas antes de Damasco, o HTS adotou a estratégia de permitir que cristãos e outras correntes religiosas mantivessem suas práticas e crenças. Esse é o pragmatismo do HTS, que se for mantido pode servir para aglutinar o poder na Síria. Mas é bom lembrar que essa aparente tolerância não se refletiu em compartilhamento de poder, pois as minorias não ganharam assento na administração dos territórios comandados pelo HTS.
Vai ser interessante observar como será a relação do novo governo com os países do entorno. As influências da Rússia, do Irã e do grupo libanês Hezbollah muito provavelmente vão ser substituídas pelas influências da Turquia e da Arábia Saudita. Quem ganha com isso é principalmente Israel. As relações de Israel com a Turquia não são boas, mas é melhor do que ter como vizinho um regime controlado pelo Irã, como acontecia até agora.
Obviamente, é difícil imaginar um governo de um grupo nascido da Al Qaeda sendo amigável com Israel, mas se ele não causar problema já será um ganho. De qualquer forma, Israel está se garantindo. Depois da queda de Damasco, o exército israelense tratou de ocupar parte do território Sírio ao longo da sua fronteira, que era uma zona desmilitarizada, e bombardeou estoques de armas do regime Assad para que não caiam nas mãos erradas. Na realidade, o HTS só conseguiu tomar Damasco e derrubar Assad graças ao enfraquecimento do Hezbollah e do Irã após meses de embates com Israel.
Os Estados Unidos também estão deram uma ajudinha para o HTS neste domingo (8) ao bombardear alvos do Estado Islâmico na Síria. O Estado Islâmico é inimigo do HTS, mas não se pode descartar a possibilidade que os dois grupos venham a se unir, o que seria um desastre, com o surgimento de um Estado terrorista. Se não houver essa união, o HTS terá de enfrentar o Estado Islâmico e também pode começar a enfrentar resistência de rebeldes xiitas patrocinados pelo Irã, como acontece no Iraque.
Em resumo, há grandes riscos para o futuro próximo na Síria. O primeiro é a instalação de uma teocracia que deixe de lado o relativo pragmatismo e a tolerância religiosa adotados até agora para impor a sharia, lei islâmica, a todos, com perseguição às minorias religiosas, que na Síria são muitas. O segundo é a continuidade da guerra civil e a dificuldade de manter a estabilidade e a paz no país, por causa da resistência de grupos como Estado Islâmico, de rebeldes xiitas e até mesmo de separatistas curdos.
Por outro lado, Arábia Saudita, Estados Unidos e Israel têm muito a ganhar com a perda de território de influência da Rússia e do Irã. A Síria não tem grandes riquezas, mas a sua localização geográfica é estratégica. Faz fronteira com Líbano, Turquia, Iraque, Jordânia e Israel. A paz e a estabilidade no país poderia até ser uma solução de longo prazo para o problema de fornecimento de energia, pois há um antigo projeto de um gasoduto que passaria por seu território e que poderia levar o combustível fóssil do Oriente Médio para a Europa, e que nunca foi construído.
Há muitos interesses em jogo no futuro da Síria, muito mais do que havia, por exemplo, no Afeganistão. Americanos, israelenses, europeus, sauditas, europeus e turcos vão ficar de olho.
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