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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem visto seu nome cada vez mais envolvido no escândalo dos kits de robótica que, suspeita-se, foram comprados com dinheiro público da educação em contratos superfaturados. Ao longo do fim de semana, foi noticiado que a Polícia Federal enviou o caso para o Supremo Tribunal Federal (STF), depois que os agentes encontraram, em endereços dos investigados (um assessor de Lira e seu motorista), documentos indicando pagamentos de despesas do político alagoano e de seu pai. Cada um dos gastos aparecem em uma lista com a anotação "Arthur", totalizando cerca de 650.000 reais. Lira nega que qualquer despesa sua tenha sido paga com dinheiro de origem ilícita, apenas com seus rendimentos como deputado e produtor rural.
Mas é fato que o cerco ao presidente da Câmara está se fechando. O escândalo foi gestado no governo Jair Bolsonaro com a liberação de 26 milhões de reais do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), por meio das tão faladas emendas de relator, o orçamento secreto, para um reduto eleitoral de aliados de Lira em Alagoas. Alguns dos principais investigados por suspeita de envolvimento no suposto esquema são pessoas de confiança de Lira ou já trabalharam com ele. Como deputado, Lira tem direito a foro privilegiado e caberá agora ao ministro Luis Roberto Barroso o destino dos fatos apurados.
Ainda é cedo para avaliar possíveis impactos jurídicos do caso na permanência de Lira no comando da Câmara dos Deputados. Mas, se for descoberto algo de concreto contra ele, é possível vislumbrar um futuro semelhante ao do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que em 2016 foi afastado pelo STF e posteriormente cassado em votação no plenário da Casa. Ainda que ao final Lira se prove inocente, a mera possibilidade de se tornar formalmente investigado no caso enfraquece o seu poder político.
E que poder. Arthur Lira é considerado o mais poderoso presidente da Câmara desde o fim da ditadura, tendo recebido a maior votação para o cargo, em fevereiro deste ano. Em grande parte, esse poder foi conquistado no governo de Jair Bolsonaro, que se viu obrigado a ceder influência a Lira na destinação de verbas por meio das emendas secretas, em troca de uma tênue governabilidade e da blindagem contra as dezenas de pedidos de impeachment contra o presidente da República.
Com Lula, não é muito diferente. Lira não tem mais a mesma ingerência sobre os recursos antes definidas pelas emendas de relator, por causa de uma decisão do STF, mas mantém a capacidade de pressionar por cargos e recursos. Em grande parte, porque a base governista na Câmara é pequena, mesmo com a alocação de ministérios para partidos de centro ou de direita, como o MDB e o União Brasil. Isso faz com que Lula dependa muito da capacidade de articulação de Lira para aprovar projetos de seu interesse. E as derrotas têm sido frequentes.
Como ficaria Lula sem Lira? De maneira intuitiva, a esquerda torce para que Lira caia em desgraça, por ser ele o fiador da frágil governabilidade de Lula. Seus militantes parecem acreditar que as coisas seriam mais fáceis, que Lula sem Lira conseguiria aprovar todas as medidas provisórias, todos os projetos de lei de seu interesse. Mas não é tão simples.
Lula sem Lira continuaria tendo que enfrentar uma Câmara dos Deputados que é, em sua maioria, conservadora e com um projeto político oposto ao do PT. Dentro dessa maioria, uma parcela significativa dos parlamentares são leais ao ex-presidente Bolsonaro. Seria preciso ter um substituto de Lira mais alinhado com os planos de Lula, mas ao mesmo tempo capaz de virar o voto de opositores em pautas vitais para o governo. Uma missão quase impossível.
Apesar de dificuldades recentes do governo em votações na Câmara, como na MP da estruturação dos ministérios, na derrubada de mudanças no Marco do Saneamento Básico ou no PL das Fake News, foi sob a batuta de Lira que o governo conseguiu aprovar o novo arcabouço fiscal (que após sofrer mudanças no Senado, voltou para apreciação na Câmara). E é com Lira que o governo tem a expectativa de aprovar a reforma tributária no segundo semestre.
Além disso, mesmo identificando-se como oposição ao governo, o partido de Lira, o PP, tem um índice geral de apoio ao governo em votações na Câmara maior do que o União Brasil, que comanda três ministérios e se declara independente, segundo análise do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Claro que nada disso ocorre sem custo para o governo e para o país. A pressão por recursos e por cargos coloca o governo na rota de novos escândalos de corrupção. E a primazia do centrão liderado por Lira, aliada à hipocrisia dos partidos da base lulista, leva ao avanço de projetos corporativistas ou que ameaçam a democracia, como a lei contra a "discriminação" de políticos.
Lira pode parecer uma pedra no sapato de Lula. Mas um governo fraco, com pouco apoio no Congresso, geralmente depende de alianças fisiológicas para se equilibrar no fio da navalha. Lula sem Lira acabaria buscando outro Lira para chamar de seu.