Teoricamente, não há mal algum na adoção do voto impresso como comprovante físico do voto eletrônico no Brasil. O eleitor digita sua opção, confirma, pega o papelzinho impresso e deposita em uma urna. Tecnicamente, há questionamentos quanto ao sigilo do voto, pois quando o modelo foi experimentado em 2002 muitas impressoras falharam e os mesários tiveram que intervir — criando situações em que eles podiam ver o que estava sendo impresso. Isso poderia ser superado com equipamentos melhores, entre outras providências.
Mas o debate que prevalece em torno da adoção do voto impresso não é teórico nem técnico. Trata-se de uma discussão sobre confiança no sistema. O presidente Jair Bolsonaro não confia e já deixou isso claro mais de uma vez. A preocupação não é monopólio da direita bolsonarista. Parte da esquerda também abraça essa causa, basta ver o recente vídeo divulgado por Carlos Lupi, presidente do PDT, partido de Ciro Gomes, em que defende o voto impresso para eventual recontagem.
Não há nenhuma alegação séria de fraude envolvendo o sistema de voto eletrônico adotado pelo Brasil na atualidade. Os defensores da urna eletrônica lembram que ela grava internamente o total de votos, cujo registro pode ser conferido por qualquer partido. O boletim de urna permite saber se o número de votos condiz com o número de eleitores, por exemplo, ou se há disparidades muito grandes entre os resultados de urnas de uma mesma zona eleitoral. Os votos são registrados em ordem aleatória, de forma a não identificar o eleitor. E as urnas não podem ser hackeadas, pois não estão ligadas à internet nem podem ser acessadas remotamente de outra forma.
Isso não significa que o sistema seja perfeito. Depois da derrota de Aécio Neves (PSDB) para Dilma Rousseff (PT) nas eleições de 2014, os tucanos fizeram uma investigação e, apesar de não terem encontrado evidências de fraude, reclamaram da dificuldade de auditar o processo.
Imprimir o voto, contudo, tampouco é garantia de que as alegações de fraude deixarão de existir. O ex-presidente americano Donald Trump, derrotado por Joe Biden nas eleições do ano passado, pediu recontagem de votos no estado da Georgia e, quando o processo confirmou a vitória do adversário, ele não se conformou. Pediu nova contagem, e mais uma vez não conseguiu o resultado que queria. Nem por isso desistiu de alegar fraude.
Mais uma vez, como ficou claro no exemplo americano, mais do que a tecnologia utilizada, o que importa é a confiança que se tem no sistema.
O voto impresso é, portanto, uma solução em busca de um problema. Em ciência política há o conceito de "lata de lixo para escolha organizacional", um modelo desenvolvido por Michael Cohen, James March e Johan Olsen para compreender como as agendas e alternativas de política pública são formadas. De maneira muito resumida, funciona assim: os participantes dos processos decisórios vão depositando em latas de lixo imaginárias (que representam as situações de decisão) soluções ou ideias em busca de problemas a serem resolvidos e também, com menor frequência, problemas em busca de soluções.
Às vezes, dá match entre soluções e problemas, ou seja, eles parecem feitos uns para os outros. Quando um solução não encontra um problema, ela é reciclada, até, eventualmente, ser aproveitada. Também pode ocorrer de simplesmente a popularidade de uma solução ajudar a moldar a percepção de que há um problema a ser resolvido.
Muitos dos defensores do voto impresso no Brasil, atualmente, apostam nisso para emplacar sua solução à procura de um problema. Eles argumentam que há uma demanda popular pelo voto impresso.
Na realidade, o que se tenta é criar essa demanda popular. A não ser que se esteja olhando para dentro da própria bolha política, não há evidências de que essa demanda seja significativa.
A pesquisa PoderData divulgada na semana passada com 2500 entrevistados afirma que 46% deles são contra o comprovante impresso do voto eletrônico, enquanto 40% são a favor. Outros 14% não sabem. Com muita boa vontade, pode-se concluir que a bola está dividida. E certamente é um exagero falar em "demanda popular".
Políticos gostam de falar em nome do "povo", como se fosse um entidade que pensa em uníssono. É preciso tomar cuidado com essas generalizações.
Isso não significa que o voto impresso não mereça ser discutido. Afinal, é algo que está na agenda política do presidente. Mas a discussão ganharia em qualidade se fosse mais técnica e menos passional.
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