A estratégia é manjada, mas a cada vez que é repetida, obtém-se o velho e previsível resultado. O Hamas, o grupo terrorista que controla a Faixa de Gaza, ataca Israel e com isso provoca uma intensa reação militar por meio de bombardeios, produzindo imagens de destruição e morte de civis palestinos que são usadas para retratar os israelenses como monstros aos olhos do mundo e para, assim, justificar as atrocidades cometidas inicialmente pelo próprio Hamas. Para derrotar o terrorismo do Hamas, seria preciso quebrar o ciclo demagógico dessa estratégia de relações públicas macabra.
Bombardear a Faixa de Gaza a cada nova provocação dos terroristas, do ponto de vista militar, apenas serve para enfraquecer momentaneamente o inimigo. Líderes do Hamas eliminados são substituídos prontamente por outros e o arsenal de armas destruído é reposto e aprimorado nos anos seguintes com a ajuda de financiadores externos, como o regime teocrático do Irã.
Para derrotar o terrorismo, Israel precisa neutralizar a estratégia do Hamas, baseada na incitação ao ciclo infindável de violência.
Nas guerras em anos anteriores travadas com o Hamas, Israel não chegou nem perto de derrotar o terrorismo palestino. Apenas dedicou-se a "aparar a grama", conforme a analogia corrente entre analistas do conflito, mas com os efeitos humanitários desastrosos previsíveis: centenas de civis palestinos mortos, residências e escolas destruídas, fotos de enterros de crianças árabes inundando as plataformas de notícias mundo afora. O Hamas usa o próprio povo como escudo humano, mas as mortes são colocadas unicamente na conta das forças israelenses. A demagogia funciona, e o Hamas se fortalece aos olhos dos palestinos.
Já as imagens dos israelenses mortos pelo atos de terrorismo quase nunca são expostas, por uma questão de privacidade, de respeito às vítimas e aos seus familiares. Desta vez, foi diferente. O governo israelense divulgou uma série de fotos mostrando os corpos de bebês e crianças assassinadas brutalmente pelos homens do Hamas no ataque do último dia 7. As imagens foram parcialmente borradas para preservar a identidade das vítimas, mas o que se vê é suficiente para causar repulsa e indignação.
Imagens de destruição e morte de civis palestinos que são usadas para retratar os israelenses como monstros aos olhos do mundo.
Israel não pode ficar de braços cruzados diante de tamanha atrocidade. Mas precisa de uma estratégia vencedora, com verdadeiro potencial para derrotar o terrorismo, e não uma repetição do ciclo de violência que apenas aumenta a radicalização dos dois lados do conflito.
A ordem para que mais de 1 milhão de palestinos abandonem suas casas no norte da Faixa de Gaza, rumo ao sul do território, tem sido entendida como um sinal de que Israel não só pretende arrasar com a infraestrutura local, como pode estar planejando uma invasão por terra. A remoção forçada de uma população por uma ameaça militar equivale a um crime de guerra. Se a ideia for ficar bandeira para impedir o Hamas de usar o território como plataforma de ataques, o problema é ainda maior. O presidente americano, Joe Biden, alertou que ocupar a Faixa de Gaza seria um erro. O embaixador israelense na ONU respondeu que seu país não tem "interesse" em governar o território e que o objetivo é "a eliminação total das capacidades do Hamas".
De fato, uma ocupação israelense da Faixa de Gaza seria um erro, mesmo porque não traria a segurança almejada por Israel. Como bem aprenderam os americanos durante a ocupação do Iraque e do Afeganistão, esse é o tipo de atoleiro no qual é muito fácil de entrar mas muito difícil de sair e que cria as condições propícias para a cooptação de jovens radicalizados por organizações terroristas que se apresentam como a "resistência" à opressão do invasor.
Quanto à resposta do embaixador, não há como discordar da meta de destruir o Hamas, mas essa é uma solução incompleta. A eliminação do Hamas não seria suficiente para derrotar o terrorismo palestino. O ódio e o ressentimento hoje canalizados pelo grupo seriam absorvidos por outros grupelhos extremistas, uns querendo se provar mais radicais e brutais do que os outros — da mesma forma que a fragmentação da Al Qaeda no Iraque deu origem ao Estado Islâmico.
Para derrotar o terrorismo do Hamas, seria preciso quebrar o ciclo demagógico dessa estratégia de relações públicas macabra.
Além de combater militarmente o Hamas, Israel precisa de uma estratégia que inclua negociações com setores moderados dentre os palestinos para encontrar uma solução de coexistência pacífica entre os dois povos. A Autoridade Palestina (AP) de Mahmoud Abbas não é flor que se cheire e demorou para condenar os massacres perpetrados pelo Hamas, mas é o interlocutor possível. Israel vai precisar se distanciar da política de construção de assentamentos na Cisjordânia, território palestino governado pela AP, e, em algum momento, retirar seus colonos das terras que são dos palestinos por direito. O custo político e a resistência interna em Israel, obviamente, serão altíssimos.
Isso não pode ser feito como em 2005, quando o então primeiro-ministro israelense Ariel Sharon decidiu retirar 8500 colonos judeus da Faixa de Gaza, muitos à força, de forma unilateral, sem extrair compromissos dos palestinos. A estratégia provou-se um desastre que Sharon, vítima em seguida de um derrame que o deixou em coma até a morte oito anos depois, nunca viu.
Sharon imaginou que a retirada da Faixa de Gaza melhoraria as condições de segurança em Israel e passaria uma imagem positiva de seu país para o resto do mundo. Em vez disso, o território palestino caiu dois anos depois nas garras do Hamas (cujo objetivo político é a eliminação do estado de Israel) e tornou-se base de treinamento e lançamento de ataques terroristas. A tentativa de Israel de estrangular as capacidades do grupo por meio de um bloqueio do território empobreceu a população e esmagou a classe empresarial local que poderia pressionar pela moderação. E a experiência em Gaza serviu como justificativa para os setores mais radicais dentro da sociedade israelense que querem expandir a ocupação da Cisjordânia, sob o argumento de que ceder terras aos palestinos tem o efeito de piorar, em vez de melhorar, as condições de segurança para os judeus.
Para derrotar o terrorismo, Israel precisa neutralizar a estratégia do Hamas, baseada na incitação ao ciclo infindável de violência. Para isso, no tempo certo, terá de ceder em negociações com os interlocutores possíveis dentre as lideranças palestinas.
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