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Diogo Schelp

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Internacional

ONG belga que pediu ação contra soldado israelense é dirigida por ex-Hezbollah

soldado israelense
O ministro de Assuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo de Israel, Amichai Chikli (Foto: EFE/Javier Albis)

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O presidente Lula ou integrantes do seu governo já fizeram declarações no passado que causaram grande impacto nas relações com Israel, como a de equiparar a guerra na Faixa de Gaza a um genocídio do povo palestino. Em setembro do ano passado, na ONU, por exemplo, Lula repetiu essa acusação contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. As relações entre Brasil e Israel estão abaladas desde muito antes, e agora ganharam mais um ponto de atrito. Trata-se da investigação aberta pela Polícia Federal contra o soldado israelense Yuval Vagdani, que estava de férias no fim de ano no Brasil.

Ao descobrir o paradeiro do militar, a Fundação Hind Rajab, uma ONG com sede na Bélgica, entrou com uma queixa na Justiça Federal do Brasil contra ele. A tal fundação se baseou em postagens nas redes sociais do soldado para acusá-lo de crimes de guerra. Ele teria participado da destruição, com explosivos, de uma área residencial em Gaza, no ano passado, fora de situação de combate. E ainda teria se vangloriado do ato de destruição com a seguinte frase: “Que possamos continuar destruindo e esmagando este lugar imundo sem pausa, até os seus alicerces”. A Justiça Federal determinou que a PF abrisse a investigação perto da virada de ano. Quando o caso veio à tona, a embaixada de Israel no Brasil entrou em cena e o soldado já saiu do país. Ele passava férias na Bahia.

A tal Fundação Hind Rajab é, de fato, uma organização antissemita. Ela foi registrada na Bélgica há poucos meses, em setembro de 2024, especificamente para monitorar as redes sociais dos soldados israelenses que lutam em Gaza, e que muitas vezes se vangloriam dos seus atos de guerra nas postagens, para processá-los

O Brasil, como signatário das Convenções de Genebra, que contêm as leis do Direito Humanitário Internacional, e do Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), é obrigado a deter e investigar pessoas acusadas de cometer crimes de guerra, mesmo que tenham ocorrido em outros países.

Aliás, Lula já fez pouco caso do Estatuto de Roma, dizendo que nem sabia da existência do TPI e que o Brasil não deveria ser signatário de um tratado recusado por Estados Unidos e por outros países. Essa fala ocorreu em setembro de 2023, quando ele tentava encontrar uma justificativa para o Brasil não ter de prender o ditador russo Vladimir Putin por suspeitas de crimes de guerra, caso ele visitasse o nosso país.

Porém, no caso do soldado israelense, até onde se sabe, a decisão de abrir a investigação não partiu do governo Lula. A Fundação Hind Rajab recorreu a advogados brasileiros para entrar com a ação junto à Justiça Federal, que tem autonomia para acatar um pedido de abertura da investigação. Assim como a Polícia Federal tem autonomia investigativa. A PF não precisa sequer de anuência do Ministério da Justiça, ao qual está subordinada.

Ignorando esse fato, Amichai Chikli, ministro israelense de Assuntos da Diáspora e do Combate ao Antissemitismo, tratou de classificar a abertura da investigação pela Justiça brasileira como um ato de perseguição do governo Lula. Além do mais, fez isso em uma carta enviada a um deputado da oposição ao governo Lula — ninguém menos que Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi indiciado por supostamente participar de uma tentativa de golpe de Estado após perder as eleições em 2022. Isso mostra que o objetivo do ministro israelense é simplesmente surfar na estratégia de explorar inimigos externos para aglutinar o apoio da população israelense ao seu governo.

Até porque a própria oposição israelense já estava explorando o caso. O líder da oposição, Yair Lapid, disse o seguinte neste fim de semana: "O fato de um soldado da reserva israelense ter que fugir do Brasil no meio da noite para evitar ser preso por lutar em Gaza é uma falha política monumental de um governo que é simplesmente incapaz de funcionar".

Ou seja, Lapid acusou o governo do premiê Benjamin Netanyahu de não fazer nada para impedir que soldados israelenses sejam processados mundo afora. Atribuiu isso a uma falha política do governo de Israel, como se fosse absolutamente normal que o governo israelense pudesse pressionar o governo brasileiro para impedir que o Poder Judiciário do Brasil, que tem independência em relação ao Poder Executivo, exerça sua função. E aqui a questão não é se os juízes que analisaram o caso tomaram a decisão correta ou não, mas de respeitar a separação entre os poderes que é um dos pilares da democracia brasileira. Pilar que, aparentemente, o governo de Israel finge não conhecer ou não está disposto a respeitar.

O chanceler israelense respondeu a Lapid que ele sabe muito bem que há uma campanha sistemática contra Israel. E aproveitou para chamar Lula de "antissemita". A verdade é que tudo isso não passa de demagogia da oposição e do governo de Israel. Esses políticos sabem como as coisas funcionam, sabem que não adianta usar pressão diplomática na tentativa de conter os processos contra soldados israelenses em países signatários do Estatuto de Roma. Mas não podem perder a chance de explorar esses casos, ainda mais quando o presidente do país em questão, no caso o Brasil, já deu motivos de sobra para ser acusado de antissemitismo.

A tal Fundação Hind Rajab é, de fato, uma organização antissemita. Ela foi registrada na Bélgica há poucos meses, em setembro de 2024, especificamente para monitorar as redes sociais dos soldados israelenses que lutam em Gaza, e que muitas vezes se vangloriam dos seus atos de guerra nas postagens, para processá-los. O presidente da ONG, Dyab Abou Jahjah, e seu o secretário, Karim Hassoun, são ativistas anti-Israel de longa data. São também pró-Hamas e pró-Hezbollah. Ambos já assinaram petições para que o Hamas fosse retirado da lista de organizações terroristas da União Europeia. Aliás, Jahjah chegou a publicar artigo no New York Times, em 2003, dizendo que já fez parte do Hezbollah. E Hassoun disse em uma entrevista em 2009 que jamais aceitaria reconhecer a existência do Estado de Israel. Isso não significa que as acusações que eles fizeram ao soldado israelense que passava férias no Brasil sejam falsas, mas não há dúvida que de isentos ou neutros eles não têm nada. São sem dúvida antissemitas e, se pudessem, varreriam Israel do mapa.

Ser contra a existência do Estado de Israel é ser contra o direito dos judeus de terem seu país. Isso é antissemitismo. Ser contra o governo de Benjamin Netanyahu, suspeito de cometer crimes contra a humanidade, por outro lado, não é antissemitismo. Estado e governo são coisas diferentes. O Estado fica, os governos vão e vêm. Muitos israelenses de respeito, como o ex-ministro da Justiça Yossi Beilin, são críticos das ações do governo Netanyahu na Faixa de Gaza.

A posição de Lula em relação a Israel resvala no antissemitismo pois se sustenta em um entendimento seletivo do que é genocídio. Ele não se incomoda com as acusações existentes contra Putin, mas aponta o dedo para Netanyahu. E, em 2009, no seu segundo mandato, Lula não se recusou a cumprimentar um legítimo genocida, o então ditador sudanês Omar Al-Bashir. A seletividade de Lula sugere preconceito. Mas relacionar isso a uma decisão independente da Justiça brasileira, como fizeram membros do governo israelense, não passa de oportunismo político e desinformação.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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