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Diogo Schelp

Diogo Schelp

Internacional

Como a pandemia presenteou governos com um ano de poucos protestos de rua

O empresário Jimmy Lai, de Hong Kong, preso por incentivar protestos pela autonomia de Hong Kong em relação a Pequim (Foto: ANTHONY WALLACE/AFP or licensors)

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Os grandes protestos de rua rarearam em 2020. Segundo dados do site Global Protest Tracker, mantido pela fundação apartidária americana Carnegie Endowment for International Peace, ao longo de 2019 foram registrados em todo o mundo dezesseis protestos com mais de 100.000 manifestantes. Entre eles, incluem-se as manifestações de maio retrasado contra os cortes no orçamento da educação, no Brasil. Em 2020, por sua vez, aconteceram apenas quatro protestos com mais de 100.000 pessoas. Nenhum no Brasil.

Os grandes protestos de rua de 2020 ocorreram nos Estados Unidos, em maio, e na Alemanha, em junho, contra a violência policial com motivação racial; em Belarus, em junho, contra a ditadura de Alexander Lukashenko; e na França, em novembro, contra uma lei que limitava a vigilância cidadã da atuação policial.

Exceto principalmente pelos riots desencadeados pela morte de um homem negro por policiais nos Estados Unidos, portanto, 2020 foi um ano atípico, bastante morno para a turma das manifestações, em comparação com 2019 ou anos anteriores.

Foi um presente para os governantes, democráticos ou não. Nada como tocar políticas públicas, ditar leis ou tomar atitudes para aumentar o próprio poder sem precisar se preocupar com a indignação das ruas.

A redução do número de grandes protestos populares foi mais um dos efeitos da pandemia do novo coronavírus. Mesmo onde não havia leis proibindo a população de fazer manifestações com a justificativa de respeitar as medidas de distanciamento social, o medo de enfiar-se em aglomerações e contrair covid-19 conteve as massas.

Governantes mais maquiavélicos poderiam até imaginar que, em vez de incentivar a população a seguir as recomendações de isolamento, mais eficaz na contenção de grandes protestos de rua seria deixar que as taxas de contágio se mantivessem sempre elevadas.

Um exemplo de esvaziamento dos protestos é o que ocorreu em Hong Kong, enclave semi-autônomo da China. Hong Kong é um território com uma região portuária e um centro financeiro encravado no litoral sul chinês que pertenceu ao Reino Unido por mais de um século até ser devolvido à China em 1997.

Desde então, os sucessivos governos do Partido Comunista Chinês, em Pequim, vêm estrangulando pouco a pouco a autonomia administrativa e as liberdades da população de Hong Kong, adquiridas durante o período britânico.

Em 2014, um grande movimento popular tomou as ruas contra medidas legislativas para aumentar o controle da ditadura chinesa sobre o território. Foi a chamada Revolução dos Guarda-Chuvas.

No ano passado, os manifestantes voltaram a tomar as ruas de Hong Kong, desta vez contra os planos de aprovar uma lei que permitiria enviar opositores locais para serem julgados na China continental, entre motivos.

Os protestos em Hong Kong foram os maiores registrados em todo o mundo, em 2019, segundo os dados do Global Protest Tracker. Ao longo de meses, 2 milhões de pessoas foram ruas.

Em 2020, a ditadura da China aproveitou o esvaziamento das ruas por causa da pandemia da covid-19 para golpear com o força o movimento pró-democracia e pró-autonomia de Hong Kong.

Em parte, isso foi obtido por meio de normas para evitar aglomerações. Enquanto o ânimo para ir às ruas estava baixo, algumas figuras proeminentes do movimento foram presas e, em junho, veio o golpe de misericórdia: o governo local, marionete de Pequim, conseguiu aprovar uma lei que permite a repressão de dissidentes do jeito que o Partido Comunista Chinês gosta.

Trata-se de uma lei de segurança nacional que tipifica como crimes, puníveis até com prisão perpétua, atos de secessão, subversão, terrorismo e conspiração com forças estrangeiras. Um pacote que permite enquadrar ONGs pró-democracia que receberem auxílio do exterior, manifestantes que empunharem símbolos pedindo a independência em relação à China, ativistas que jogarem ovos em prédios do governo e empresários que incentivarem protestos.

A lei permite, também, que os serviços de inteligência de Pequim atuem dentro de Hong Kong e levem suspeitos (leia-se "opositores") para serem julgados na China continental.

Entre as dezenas de pessoas que já foram presas com base na nova lei está o empresário Jimmy Lai, dono de lojas de roupa, de empresas de tecnologia e do jornal mais vendido em Hong Kong, o Apple Daily. Grande incentivador dos movimentos pró-democracia, ele espera em liberdade por uma acusação formal por "coluio com forças estrangeiras".

Quando a lei de segurança nacional, que institucionalizou a repressão política em Hong Kong, foi aprovada, alguns poucos corajosos ousaram sair às ruas para protestar. Dessa vez, junto com o medo do novo coronavírus, estava o temor de ser enquadrado na nova lei da repressão.

Há pouco mais de um mês, no início de dezembro, um dos principais líderes do movimento pró-democracia de Hong Kong, Joshua Wong, foi condenado a 1 ano e 1 mês de prisão.

Ironicamente, ele não foi enquadrado na nova lei de repressão política, mas por ter liderado os grandes protestos de rua de 2019, nos quais muitos dos manifestantes usaram máscaras para cobrir a boca e o nariz para se proteger das bombas de gás da polícia. Antes da pandemia, a lei de Hong Kong proibia o uso de máscaras em protestos.

No dia do julgamento, Wong e outros dois ativistas que foram condenados juntos com ele compareceram ao tribunal usando máscaras — como a ocasião agora exige.

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