Na semana passada, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, postou no Twitter uma sequência de fotos, em que ela aparece em meio a um grupo de pessoas sorridentes, e a informação de que o governo de Jair Bolsonaro estava entregando os títulos de propriedade para 28 famílias do assentamento Libertação Camponesa, em Não-Me-Toque, no Rio Grande do Sul. Alguém nas redes sociais desencavou uma foto antiga da mesma turma que posou com a ministra, mas dessa vez com os conhecidos bonés e bandeiras do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Ué, Bolsonaro entregando terras aos sem-terra? Vão se acostumando: com a "retomada" do PIB ganhando ares de "patinada" do PIB, o governo federal terá de produzir mais e mais cenas como essa.
Recapitulando: na semana passada, o IBGE anunciou que o Produto Interno Bruto (PIB) nacional cresceu 1,1% em 2019. Em cada um dos dois anos anteriores, na gestão do presidente Michel Temer, havia crescido 1,3%. Ora, isso não pode ser chamado de retomada da economia. E, exatamente por esse motivo, a notícia cria um problema político para Bolsonaro.
Uma boa parcela dos brasileiros que votaram em Bolsonaro para presidente o fez com ressalvas. Uma maneira de quantificar essa parcela é observar as pesquisas sobre a aprovação de seu governo após um ano de mandato. Sua gestão é aprovada por algo entre 40% e 50% da população, dependendo do instituto de pesquisa que se utiliza. O núcleo duro, aquele que aprova o presidente em todas as situações, está entre 12% e 30%.
O restante — ou seja, algo entre um quarto e um terço do eleitorado, a depender da pesquisa — é formado pelo que se pode chamar de bolsonaristas de ocasião. Em 2018, eles viam Bolsonaro como a melhor alternativa para livrar o país de ser governado pelo PT e tinham esperanças de que ele cumpriria uma política econômica realista, comprometida com reformas, que traria a tal "retomada".
Desde então, todos os deslizes do presidente foram minimizados por essa parcela de apoiadores sob o argumento de que ao menos na economia as coisas iam bem. Nem tanto, descobre-se agora. E a perspectiva para 2020 não é muito melhor. Os analistas do mercado — do mercado, não da oposição, vejam bem — projetam um crescimento abaixo de 2% em 2020 ou até muito próximo do pibinho do ano passado.
Na prática, isso significa que não serão gerados novos empregos com a velocidade necessária para amainar um problema já crônico no país: a taxa de desocupação está na casa dos 11% — em comparação, a dos Estados Unidos é de 3,6% e a da Argentina, país que vive uma grave crise econômica, é de 10%.
O desemprego no Brasil veio diminuindo ao longo de 2019, mas o clima agora é outro. A queda nos índices industriais, a revisão nas previsões de crescimento, o pânico econômico global causado pelo coronavírus (com impactos previstos em setores essenciais para o Brasil, como o de exportação de commodities)... nada disso aponta para um cenário de geração de emprego.
Se o governo apostava no crescimento econômico para melhorar a renda dos brasileiros e manter o apoio daquela parcela "relutante" do eleitorado, cabe perguntar como enfrentará um cenário desfavorável.
Algo que precisará ser feito, e que ficou negligenciado até agora, é atentar para a questão da pobreza. O número de brasileiros vivendo na extrema pobreza vem crescendo desde 2014, no governo de Dilma Rousseff. Em 2018, já na gestão Temer, chegou ao patamar de 13,5 milhões de miseráveis.
Em 2019, Bolsonaro criou o 13.º para o Bolsa Família, mas não foi muito além disso. Na realidade, a entrada de novos beneficiários no programa despencou ao longo do primeiro ano de mandato de Bolsonaro. A concessão de novos benefícios recuperou um pouco o ritmo em janeiro deste ano, mas com uma característica peculiar, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo: apenas 3% das novas concessões foram para o Nordeste, onde há mais famílias pobres na fila do benefício. As regiões Sul e Sudeste receberam 75% das novas concessões. No Nordeste, como se sabe, Bolsonaro teve fraco desempenho eleitoral em 2018.
É evidente que os miseráveis do Sudeste e do Sul do país têm tanto direito de receber o Bolsa Família quanto os do Nordeste. A questão é outra: o combate à pobreza (a expressão mais correta seria "mitigação da pobreza") não pode ser abordada com a lógica de currais eleitorais, como prêmio pela fidelidade política. É algo a ser tratado com seriedade científica.
O risco de não atacar a questão da pobreza desde os primeiros dias de governo é o de repetir o desastre de Mauricio Macri, o presidente argentino que assumiu como uma grande promessa reformista e acabou escorraçado do cargo, sem conseguir se reeleger. Macri assumiu um país com alta taxa de desemprego, pobreza crescente e inflação de mais de dois dígitos ao ano.
Na tentativa de consertar o legado deixado pela antecessora, Cristina Kirchner, Macri fez correções importantes de rumo na política econômica e adotou medidas para melhorar o ambiente de negócios no país, mas não avançou na agenda de reformas com a rapidez necessária.
Isso faz lembrar que, no caso do governo Bolsonaro, a grande conquista até agora foi a aprovação da reforma da Previdência. A administrativa e a tributária, no entanto, estão emperradas no Palácio do Planalto.
Por fim, Macri foi atropelado também pela valorização do dólar em relação ao peso e pela fuga de investidores. A gota d'água foi o descuido com a inflação, o que levou o governo argentino, num ato de desespero, a adotar uma heterodoxa política de controle de preços.
Em meio a tudo isso, Macri deixou de atentar para um dado crucial: o aumento da pobreza. No seu último ano de governo, nada menos que 15 milhões de argentinos caíram da classe média para a faixa da população classificada como pobre, que sequer consegue pagar por uma alimentação básica.
Mauricio Macri foi punido nas urnas com uma derrota acachapante para o kirchnerista Alberto Fernández — o que equivaleria, no Brasil, à volta do PT ao poder.
Que fique claro: o problema não é — ou não era — a política defendida pelos governos Bolsonaro e Macri para criar as condições para um crescimento econômico sustentado em bases sólidas. A linha liberal aponta — ou apontava — para o caminho certo e necessário. O problema é quando a aplicação desses projetos se perde no caminho ou é suplantada por outras pautas, diversionistas, como a do embate cultural. O problema, também, é fechar os olhos para as carências imediatas de uma parcela importante da população — e achar que isso não cobrará um preço político.
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