Conflito durante manifestações do dia 31 de maio, em São Paulo, entre apoiadores e opositores do governo Bolsonaro| Foto: Nelson Almeida / AFP
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Atribui-se ao dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980) a seguinte definição das torcidas de futebol: "Uma torcida não vale a pena pela sua expressão numérica. Ela vive e influi no destino das batalhas pela força do sentimento." São frases que resumem bem o papel que os torcedores imaginam ter no resultado de um jogo de futebol, mesmo não podendo entrar em campo para correr atrás da bola. A síntese do espírito do torcedor feita pelo escritor prova-se útil, também, para descrever a postura que os brasileiros têm tido diante da política. De que serve torcer pela democracia ou torcer pelo governo? Qual o valor da torcida na política?

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A rigor, nenhum. Existem inúmeras formas de participação política. Votar, filiar-se a um partido, candidatar-se, fazer campanha por um candidato, discutir questões de interesse público em reuniões ou mesmo em redes sociais online são algumas delas. Participar de manifestações de rua também.

"Torcer" no sentigo rodriguiano, porém, não parece ser uma forma muito produtiva de participação política. Achar que a simples "força do sentimento", movida pela identificação cega com uma ideologia ou pela paixão irracional por um líder político, será capaz de mudar as coisas e definir o destino do jogo é uma grande ingenuidade. Mais do que isso, é um perigo para a democracia.

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Política é algo sério demais para deixar na mão de torcidas.

As manifestações deste domingo (7) em apoio a e contra o governo Jair Bolsonaro são formas válidas de participação política. À parte a questão da imprudência e da irresponsabilidade de se promover aglomerações em meio à pandemia do novo coronavírus, os bolsonaristas têm o direito de ir às ruas para defender o presidente — mesmo que esses atos sejam integrados por pessoas que se valem da liberdade política para pedir o fim da liberdade política. Já os insatisfeitos com Bolsonaro têm igualmente o direito de ocupar as ruas para exigir respeito pelas instituições democráticas e pedir o impeachment do presidente — mesmo que entre eles se infiltre uma minoria interessada em incitar a polícia à repressão.

Faria bem à causa dos bolsonaristas se distanciar das pautas mais radicais, dos pedidos de fechamento do Congresso Nacional e dos apoiadores que vão a manifestações com tacos de beisebol ou que acampam com armas de fogo diante do STF.

Faria bem aos propósitos democráticos dos manifestantes anti-Bolsonaro, que se dizem antifascistas, repudiar e expulsar os infiltrados que buscam a violência como tática de manifestação e de não cair no engodo de tratar a PM como inimiga.

Incitar o rompimento do estado de Direito em manifestações é crime. Vandalismo em manifestações é crime.

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"Eu não estou torcendo para ter quebra-quebra, não, mas a história nos disse que esses 'marginais de preto', que levam o soco inglês, o punhal, barra de ferro, coquetel molotov, geralmente apedrejam e queimam bancos, queimam estações de trem", disse Bolsonaro sobre os manifestantes que se opõem a seu governo.

Como o presidente deixa claro em sua fala, atos de violência servirão para que ele desqualifique as manifestações, classificando-as como antidemocráticas — da mesma forma que os protestos dominicais em Brasília a favor do governo foram chamados indevidamente de antidemocráticos, porque uma parte dos manifestantes fazia reivindicações inconstitucionais.

Nada contra torcedores de futebol se organizarem para fazer manifestações políticas. Alguns dos grupos que integram as manifestações contra o governo Bolsonaro se denominam "Torcida pela Democracia". Enquanto for só um título que se refere à sua origem organizacional, tudo bem. O problema é iludir-se que serão capazes de "influir no destino da batalha" política apenas "pela força do sentimento". Política se faz por convencimento.

Como qualquer torcedor roxo sabe, em futebol não se troca de time com argumentos lógicos, mas por meio de um chamado da paixão. A lógica do torcedor não serve para a política.

E, no entanto, a linguagem das torcidas dominou a política brasileira nos dois extremos.

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Tem a "Torcida pela Democracia" dos atos contra o governo Bolsonaro. E tem a retórica insistente dos militantes digitais pró-Bolsonaro, que respondem às críticas ao governo com a acusação de que os insatisfeitos estão "torcendo contra o Brasil".

Discordar de uma posição política não é torcer contra. Mas é igualmente equivocado achar que torcer é ter posição política.

De nada serve torcer pela democracia. De nada serve torcer pelo governo. O verbo certo é "defender". Com argumentos, não com insultos ou com os punhos.