O embaixador Rubens Ricupero, em entrevista recente, criticou as ambições de Lula de alçar-se à condição de mediador do conflito na Ucrânia e sugeriu, em uma observação precisa, que a política externa brasileira ganharia muito mais se buscasse projeção internacional por meio das questões ambientais, não como pacificador de uma guerra em outro continente.
Não é nenhuma surpresa que Lula, incentivado por assessores como o ex-chanceler Celso Amorim, esteja se aventurando no papel de pacificador da Ucrânia. Durante a campanha eleitoral do ano passado, ele já havia sugerido que a paz era algo simples de se obter, bastando sentar para conversar com as partes envolvidas como quem bate papo tomando cerveja em um bar.
É preciso muita habilidade para não parecer que o Brasil está legitimando a agressão russa à Ucrânia. As declarações recentes do presidente demonstram que lhe falta essa habilidade.
Além disso, a crença lulopetista na capacidade brasileira de mediação de conflitos internacionais vem desde os primeiros governos Lula. No primeiro e no segundo mandato de Lula, a diplomacia brasileira também tentou apresentar-se como um negociador crível de questões de segurança global como forma de ampliar sua influência internacional. Fora do espaço latino-americano, essas tentativas se mostraram infrutíferas.
Essa é a primeira razão pela qual a ambição de Lula de se apresentar como um pacificador da Ucrânia é um tiro no pé: há limites para a capacidade brasileira de mediação, principalmente em conflitos que contam com o envolvimento ou em que há fortes interesses de grandes potências. Um exemplo dos limites dessa capacidade foi o fracasso do Acordo de Teerã, em 2010, quando Lula, ao lado da Turquia, tentou resolver o impasse do programa nuclear iraniano.
Será que Lula não entende as preocupações com a própria segurança que justificam o apoio europeu à resistência ucraniana?
O segundo motivo para considerar arriscada a aposta no Brasil pacificador da Ucrânia é o desconhecimento de Lula em relação aos fatos da geopolítica e a falta de cuidado com as palavras em suas declarações. Ele vem repetindo incessantemente a mentira de que a Rússia e a Ucrânia são igualmente culpadas pela guerra (não são; os ucranianos estavam apenas cuidando da sua vida, foram os russo que invadiram, em violação às leis internacionais).
Lula também tem dito que Estados Unidos e países europeus estão prolongando a guerra, fornecendo armas aos ucranianos e pouco ou nada fazendo para encontrar um caminho paz. De fato, se não fosse o apoio de potências ocidentais, Kiev provavelmente já teria se dobrado às forças do Kremlin. Mas seria essa uma opção moralmente aceitável diante de uma agressão estrangeira a um país soberano? E, mais importante, será que Lula não entende as preocupações com a própria segurança que justificam o apoio europeu à resistência ucraniana?
Nos próximos dias, Lula iniciará uma viagem à Europa. Bem mais eficiente para reforçar a posição brasileira no mundo seria exibir a bandeira ambiental.
Ocorre que as declarações estabanadas de Lula não contribuem para que ele seja visto como um interlocutor crível para solucionar a guerra na Ucrânia. Pior, o efeito pode ser o de desgastar a imagem do Brasil junto a americanos e europeus em uma área em que nosso país realmente poderia ser respeitado e na qual a diplomacia lulista deveria estar focando seus esforços: como líder na preservação ambiental e no combate às mudanças climáticas.
O terceiro risco embutido na aventura de Lula, o Pacificador, é o da desmoralização do discurso de neutralidade e o alinhamento com China e Rússia em temas que vão contra os nossos interesses nacionais. No afã de se projetar internacionalmente, durante sua recente viagem à China, Lula apoiou a ideia de buscar alternativas ao dólar nas transações comerciais entre os países do Brics (grupo de países que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), sugerindo que isso poderia ser feito adotando-se a moeda chinesa como referência — algo que fortalece Pequim, que tem controle sobre o câmbio, e interessa à Rússia como forma de burlar as sanções financeiras impostas como punição à invasão da Ucrânia.
Na sequência, Lula vai se encontrar esta semana com o chanceler russo Sergei Lavrov, a raposa diplomática de Vladimir Putin, em Brasília. Trata-se de uma tentativa de sinalizar ao mundo que Lula tem cacife para dialogar com todos os lados do conflito de maneira igualitária. Mas é preciso muita habilidade para não parecer que o Brasil está legitimando a agressão russa à Ucrânia. As declarações recentes do presidente demonstram que lhe falta essa habilidade.
Nos próximos dias, Lula iniciará uma viagem à Europa. Bem mais eficiente para reforçar a posição brasileira no mundo seria exibir a bandeira ambiental. Mas a insistência na aventura pacificadora, maculada pelas contradições de uma diplomacia que se vende como independente mas exagera em concessões a chineses e russos, pode colocar até o nosso principal trunfo externo a perder.
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