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Diogo Schelp

Diogo Schelp

Internacional

Por que os chilenos iriam querer uma constituição inchada como a nossa?

Constituição
A assembleia constituinte do Chile (Foto: EFE/Alberto Valdés)

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Um povo pode se insurgir justificadamente contra uma constituição autoritária, que concede poderes excessivos a um governante e é desprovida de direitos básicos. Ou pode, equivocadamente, achar que todos os problemas do país vão desaparecer num passe de mágica simplesmente substituindo uma carta magna por outra, mais inchada, mais detalhada — e mais impossível de ser colocada em prática. O que o Chile está tentando fazer se enquadra na segunda opção.

A constituição chilena atual foi escrita em 1980 durante o governo do ditador Augusto Pinochet (1993-1990). O texto foi reformado algumas vezes desde então, eliminando-se seus elementos mais autoritários. Mas foi com essa constituição que o Chile equilibrou durante as últimas décadas um consenso valioso no país, pelo qual esquerda e direita concordavam quanto ao compromisso com a democracia e com uma fórmula básica para a estabilidade econômica. Foi o que permitiu ao país progredir proporcionalmente mais do que seus vizinhos.

Escrever uma constituição do zero é uma reivindicação recorrente desde o fim da ditadura chilena. Apesar dos avanços econômicos, muitos chilenos se sentem deixados para trás, vítimas de uma crescente desigualdade social. E a carta magna serviu de bode expiatório para esse problema, a ponto de a exigência por um novo texto constitucional ter motivado violentos protestos em 2019.

Mas o resultado é uma constituição quase tão inchada quanto a brasileira e que obriga o Estado a garantir direitos tão variados e para tantas minorias, que levará inevitavelmente ao aumento dos gastos públicos ou a uma frustração generalizada de expectativas — ou a ambos.

A nova constituição chilena tem aproximadamente 53.ooo palavras, 22.000 a mais do que a atual. Se for aprovada pelos eleitores no plebiscito marcado para o próximo dia 4 de setembro, disputará com a de Gana, na África, o posto de 11ª constituição mais extensa do mundo. Isso segundo o Comparative Constitutions Project, um projeto de comparação de constituições do mundo todo mantido por um grupo de pesquisadores americanos.

Por esse ranking, o Brasil tem a terceira constituição mais extensa do mundo, com pouco mais de 64.000 palavras. O segundo lugar pertence à Nigéria, com 66.623 palavras. A da Índia é a campeã disparada com 146.385 palavras.

Pelo critério da variedade de direitos garantidos no texto constitucional, o Brasil cai um pouco no ranking. Nossa constituição está em 10º lugar, com 79 direitos, atrás de Angola, com 80. O Equador está na liderança, com 99 direitos estabelecidos na Constituição.

Nesse quesito, a nova constituição do Chile inova. Há, por exemplo, o direito a morar em ou desfrutar das cidades, o direito de fazer esportes e o direito de cuidar e ser cuidado do nascimento até a morte.

O novo texto constitucional chileno também garante o direito à neurodiversidade, que diz respeito às diferenças nas capacidades cognitivas das pessoas, um termo novo que vem sendo usado com cada vez mais frequência em ambientes corporativos também no Brasil.

Diz o artigo 29 da nova carta chilena: "O Estado reconhece a neurodiversidade e garante às pessoas neurodivergentes seu direito a uma vida autônoma, a desenvolver livremente sua personalidade e identidade, a exercer sua capacidade jurídica e os direitos reconhecidos nesta Constituição e os tratados e instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados e vigentes no Chile."

Apesar de um pouco mais enxuta que a nossa Constituição Federal de 1998, a nova carta magna do Chile tem uma variedade maior de artigos: são 388, contra 250 do texto brasileiro, o que indica que a chilena versa sobre uma gama maior de temas, ainda que a nossa seja mais prolixa.

Existe uma grande possibilidade de os eleitores chilenos rejeitarem o novo calhamaço constitucional, segundo as últimas pesquisas. Se isso acontecer, o governo do presidente Gabriel Boric, que tomou posse recentemente, precisará enviar o texto para uma revisão da assembleia constituinte.

Mas é sempre mais difícil enxugar um texto do que adicionar palavras a ele. Nem bem nasceu e a constituição do Chile já vai se tornando um Frankenstein.

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