Bolsonaro observa apoiadores em manifestação de 19 de abril de 2020.| Foto: EVARISTO SA / AFP
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Já se tornou rotina nessa pandemia. Fim de semana é dedicado a manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro, contra o fechamento do comércio e outras medidas de distanciamento social adotadas por governadores e prefeitos, contra o Congresso Nacional, contra o Supremo Tribunal Federal e, até, a favor de intervenção militar para acabar com tudo isso que está aí atravancando o caminho do líder. Quando não está passeando de jet ski ou marcando e desmarcando churrascos, Bolsonaro usa esses momentos para mostrar que não está só. "O povo está ao meu lado e as Forças Armadas ao lado do povo", disse ele ao comparecer à manifestação do dia 5, em Brasília.

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Quem é brasileiro e não está do lado de Bolsonaro fica se perguntando: então eu não faço parte do povo e as Forças Armadas não estão do meu lado?

Depende de qual povo estamos falando. O de Bolsonaro é o povo dos populistas. O das Forças Armadas é — ou ao menos esperamos que seja — o povo da Constituição da República Federativa do Brasil.

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Pois é. O povo de Bolsonaro não é o mesmo povo da Constituição.

"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição", diz a carta magna brasileira. Uma democracia é isso, o governo do povo, pelo povo e para o povo. Quem é esse povo? No preâmbulo da Constituição, os representantes do povo (os constituintes) afirmam que a promulgam com o objetivo de assegurar "os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos".

Fraterna, pluralista e sem preconceitos. Em uma democracia, entende-se que o povo é formado por indivíduos e que há profundas diferenças entre eles. O sistema é moldado de modo que todos, mesmo aqueles que compartilham de opiniões ou ideias minoritárias, possam se ver representados no poder.

O povo da Constituição é plural. O povo dos populistas, não.

O povo dos populistas é um bloco monolítico e indivisível que só pode ser representado por um partido ou líder. Trata-se de uma noção de povo que pressupõe uniformidade de pensamento — o que, obviamente, é impossível.

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O povo dos populistas, portanto, é uma invenção retórica que existe apenas em oposição a outra invenção retórica: os "inimigos do povo", ou seja, todos aqueles que, segundo o líder, não estão do seu lado (no caso de Bolsonaro, a imprensa, o STF, o Congresso, os "comunistas", o "judas" Sergio Moro, etc.).

Essas são as três principais diferenças entre o povo de Bolsonaro e o povo da Constituição, portanto: o primeiro é unitário e o segundo, plural; o primeiro é excludente, o segundo é includente; o primeiro só existe em oposição "às elites" ou outro bode expiatório evocado pelo líder populista, o segundo existe por si mesmo.

Os perfis bolsonaristas nas redes sociais gostam de usar hashtags como #TodoPoderEmanaDoPovo, como se a expressão contida na Constituição significasse uma licença para que o presidente faça o que quiser com o poder que lhe foi confiado pelo povo. Quando se compreende quem é o povo da Constituição, entende-se que essa licença não existe.

Há limites para o poder presidencial. Limites para impedir que algum líder caia na tentação de governar para o povo fictício das narrativas populistas.

Enquanto as Forças Armadas estiverem do lado do povo certo, o da Constituição, os apelos dominicais de Bolsonaro não passarão de bravatas.

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