Autoridades e ex-diplomatas americanos vêm sinalizando a preocupação do governo Joe Biden com as tentativas frequentes do presidente Jair Bolsonaro de deslegitimar as eleições no Brasil. Esses alertas, por mais bem intencionados que possam parecer, pouco ou nada têm a contribuir para a confiança dos brasileiros no processo ou para afastar o risco de contestação do resultado por parte de Bolsonaro e dos militares que ele diz ter ao seu lado.
Recentemente, veio à tona a informação, revelada pela agência de notícias Reuters, de que William Burns, diretor da CIA, a agência de espionagem americana, encontrou-se em julho do ano passado com os ministros Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria Geral da Presidência. Na ocasião, Burns teria dito aos dois generais e homens de confiança de Bolsonaro que o presidente brasileiro deveria parar de lançar dúvida sobre o sistema de votação.
Tanto Bolsonaro como o ministro Heleno negam que o assunto das eleições no Brasil tenha entrado nas conversas com o representante do governo americano.
Já o governo americano não confirmou e nem negou o teor do encontro de Burns em Brasília. Em vez disso, reafirmou a confiança no sistema eleitoral brasileiro:
"É importante que os brasileiros, enquanto aguardam ansiosamente as eleições, tenham confiança em seu sistema eleitoral e que o Brasil está em posição de demonstrar ao mundo, através de duas eleições, a força duradoura da democracia brasileira", disse Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado, o equivalente americano do nosso Ministério das Relações Exteriores, ao ser questionado em uma coletiva de imprensa sobre a notícia da reunião do diretor da CIA com os ministros brasileiros, em 2021.
Price acrescentou que o governo Biden tem "confiança nas instituições democráticas brasileiras" e que o Brasil "tem um forte histórico de eleições livres e justas, com transparência e altos níveis de participação eleitoral".
Em bom inglês diplomático, ao afirmar exatamente o oposto do que Bolsonaro vem dizendo em suas lives e em seus discursos de pré-campanha — em que o presidente sistematicamente lança dúvidas sobre a lisura do processo de contagem de votos ou a confiabilidade das urnas — Price dá o recado de que os Estados Unidos estão atentos para o risco de uma ruptura institucional no Brasil por meio de uma possível tentativa de tumultuar o processo eleitoral ou de contestar o resultado da votação.
Na semana passada, foi a vez de Victoria Nuland, subsecretária de Estado, reforçar o recado de preocupação com as eleições no Brasil. Em entrevista à BBC News Brasil, Nuland disse que "o que precisa acontecer são eleições livres e justas, usando as estruturas institucionais que já serviram bem a vocês (brasileiros) no passado".
E mais: "Temos confiança no seu sistema eleitoral. Os brasileiros também precisam ter confiança", disse Nuland. Observe a mensagem simples e direta do governo Biden a Bolsonaro contida nessas palavras. Nas entrelinhas (ou entre parênteses), Nuland está dizendo que (ao contrário de Bolsonaro) o governo americano confia no sistema eleitoral brasileiro. E que o essencial mesmo é que os brasileiros tenham a mesma confiança (que, portanto, não pode ser destruída ou minada).
E tem mais. Conforme revelado pelo jornalista Thomas Traumann, da Veja, diplomatas americanos distribuíram a executivos de multinacionais com atuação no Brasil cópias de um artigo publicado em 29 de abril no jornal O Globo, de autoria de Scott Hamilton, ex-cônsul americano no Rio de Janeiro, que faz duras críticas aos ataques de Bolsonaro ao sistema de votação e que defende que Biden deixe claro ao presidente brasileiro que não aceitar o resultado das urnas trará graves retaliações por parte dos Estados Unidos.
O fato de o artigo ter sido distribuído por diplomatas americanos em atividade pode indicar um aval oficial às medidas defendidas por Hamilton.
Toda essa movimentação de bastidores, com declarações públicas calculadas para demonstrar a preocupação do governo Biden com os ataques de Bolsonaro ao sistema de votação ou com uma possível estratégia para tumultuar e não aceitar o resultado das eleições no Brasil, pode ter o efeito inverso do esperado — ou seja, o de demover Bolsonaro de seguir deslegitimando o processo eleitoral ou de tentar uma ruptura institucional.
Joe Biden é visto por apoiadores do presidente como um esquerdista, progressista e abortista que sequer deveria estar ocupando a cadeira presidencial dos Estados Unidos, porque acreditam na versão trumpiana de que as eleições americanas de 2020 foram fraudadas.
Na esquerda lulista, a pressão de Biden sobre Bolsonaro é até comemorada, mas não sem certa ironia e sem o velho ranço antiamericano da esquerda tupiniquim.
Dado o longo histórico de interferências dos Estados Unidos em questões políticas domésticas em países da América Latina, não é fácil nem mesmo para a esquerda engolir com gosto os palpites da atual diplomacia americana a respeito das eleições no Brasil.
É melhor deixar que os brasileiros cuidem de seus próprios problemas.
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