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O PT oficializou, neste domingo (6), sua decisão de apoiar Sergio Massa à presidência da Argentina. Como ministro da Economia, Massa é um dos responsáveis pelo agravamento da situação econômica no país ao longo do governo de Alberto Fernández e enfrenta o libertário Javier Milei na votação de segundo turno, no próximo dia 19. Partidos e políticos brasileiros têm o direito de apoiar Sergio Massa ou qualquer outro desastre anunciado para a presidência do país vizinho. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por exemplo, foi à Argentina no primeiro turno e posicionou-se a favor da eleição de Milei. O presidente Lula e seus ministros, porém, mesmo pertencendo ao PT, deveriam manter-se neutros.
A diplomacia partidária é uma prática comum e consiste na relação entre partidos de diferentes países com alguma afinidade ideológica e programática. O PT, por exemplo, tem uma parceria de vários anos com o SPD, o Partido Social-Democrata Alemão. Já o grupo político do ex-presidente Jair Bolsonaro tem proximidade com setores do Partido Republicano dos Estados Unidos e com partidos de direita na Itália e na Hungria, entre outros.
Diplomacia partidária é diferente de partidarização da política externa, que consiste na influência de partidos nas discussões e na formulação da estratégia do governo federal para as relações internacionais.
A secretaria de relações internacionais do PT é muito ativa nos contatos com movimentos de esquerda na América Latina — muito conhecido e discutido é o papel do partido na criação e coordenação do Foro de São Paulo, por exemplo. A direita bolsonarista faz também seus próprios eventos com a participação de personalidades e grupos estrangeiros com os quais sente afinidade político-ideológica.
Diplomacia partidária é diferente de partidarização da política externa, que consiste na influência de partidos nas discussões e na formulação da estratégia do governo federal para as relações internacionais. Há limites para essa influência, e um deles diz respeito à não intervenção, por parte do governo, em assuntos políticos internos de outros países. O princípio da não intervenção está explicitamente expresso no artigo 4º da Constituição de 1988. Ainda que não estivesse presente nas constituições anteriores, esse princípio reflete uma tradição da diplomacia brasileira, desde a Independência, como reação ao seu passado colonial.
Lula tem evitado se posicionar claramente a favor de Massa na eleição argentina, ainda que sua preferência seja óbvia. Ele chegou a dizer, em agosto, em viagem à África do Sul para reunião do Brics: "Para mim não importa, do ponto de vista do Brics, quem ganha as eleições da Argentina. Todo mundo sabe que eu sou amigo do Fernández. Mas quando tiver uma eleição, o Brasil, enquanto Estado, vai negociar com o Estado argentino, independentemente de quem seja o presidente". Massa é o candidato de Fernández, que por sua vez chegou a visitar Lula na prisão em Curitiba. Mas, em sua declaração, Lula não ultrapassou o limite a partir do qual seu posicionamento poderia ser compreendido como uma apoio formal do chefe de governo e de Estado brasileiro ao candidato do kirchnerismo e do peronismo.
Não se pode dizer o mesmo de alguns de seus ministros. Fernando Haddad, ministro da Fazenda, por exemplo, disse o seguinte sobre Milei: "É natural que eu esteja (preocupado). Uma pessoa que tem como uma bandeira romper com o Brasil, uma relação construída ao longo de séculos, preocupa. É natural isso. Preocuparia qualquer um. Porque em geral, nas relações internacionais, você não ideologiza a relação".
A tentação de integrantes do PT que fazem parte do alto escalão do governo brasileiro de deixar a neutralidade de lado na eleição argentina é grande e tem respaldo em governos anteriores de Lula. Basta lembrar que o assessor para assuntos internacionais nos dois primeiros mandatos do petista era ninguém menos que Marco Aurélio Garcia, o principal articulador da diplomacia partidária do PT desde muito antes da eleição de Lula. Sua influência (partidária) foi evidente em alguns dos episódios mais constrangedores da política externa lulista, como em 2006, quando o governo brasileiro reagiu de maneira complacente à ocupação de refinarias da Petrobras na Bolívia a mando do então presidente Evo Morales.
O governo Lula, nos últimos meses, chegou a adotar algumas medidas moldadas para aliviar de alguma forma o sufoco econômico em que se encontra a administração de Alberto Fernández; por exemplo, por meio de um acordo de financiamento de exportação brasileira para o país vizinhos que foi assinado com a presença de Massa, na qualidade de ministro, em reunião com Lula e Haddad em Brasília, no final de agosto. Mas o impacto real de medidas como essa é tênue, ainda mais no curto prazo. O acordo serviu mais como uma desculpa para se obter uma foto oficial de Massa com o presidente brasileiro do que qualquer outra coisa. Ainda assim, não equivale a apoiar Sergio Massa formalmente.
Que pare por aí. Se Milei ganhar, o governo Lula precisará encontrar um caminho para ter boas relações com ele, que terá sido escolhido de maneira soberana pelos argentinos para governá-los — e para representá-los junto a outros países.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos