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Quem, nos dias de hoje, não afirma ser uma grande defensor da liberdade de expressão? Da esquerda radical à direita radical, passando por todo o espectro político entre um e outro extremo, todos atribuem a si próprios essa virtude. O ex-vereador que achou por bem fazer um protesto dentro de uma Igreja afirma ter agido dentro do que lhe permite o direito à liberdade de expressão. Outros vereadores, da mesma Câmara Municipal, acusados de discurso transfóbico, recorrem a argumento idêntico: são protegidos pela liberdade de expressão, ou seja, pelo direito de manifestar opiniões, ideias e pensamentos sem temor de represálias ou censura.
Mas só merece de fato ser chamado de defensor da liberdade de expressão aquele ou aquela que luta pelo direito de pessoas com opiniões opostas à sua de dizerem o que pensam com o mesmo empenho que o fazem para si próprios.
Não vou entrar no mérito e muito menos pretendo estabelecer uma equivalência entre os casos acima mencionados. Os exemplos são apenas ilustrativos da postura que se espera de quem aciona a defesa irrestrita da liberdade de expressão. Se o vereador que desrespeita um culto religioso durante um protesto defender a liberdade de expressão dos vereadores que destilam sua ignorância e preconceito contra pessoas trans, ele estará sendo coerente. E vice-versa. Caso contrário, estará apenas sendo seletivo com um direito que deveria valer para todos.
Da esquerda radical à direita radical, passando por todo o espectro político entre um e outro extremo, todos atribuem a si próprios essa virtude
O mesmo vale para os critérios usados para estabelecer os limites da liberdade de expressão — por que eles existem e são necessários. Se os vereadores acima citados cometeram um crime em suas manifestações, então os mesmo parâmetros que limitam seu direito de expor suas ideias e pensamentos devem valer para todos.
Mas o que se vê, na maioria dos casos, é apenas a defesa da liberdade de expressão em benefício pessoal ou do grupo político ou ideológico ao qual se pertence. Quando esse não é o caso, dá-lhe o argumento de que os "limites foram ultrapassados", seguido de processos judiciais ou tentativas de cancelamento virtual. Não faltam por aí arautos da liberdade de expressão que não aguentam enfrentar uma crítica um pouco mais dura às suas ideias ou posturas. E que reagem, instintivamente, com tentativas de censura e intimidação.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) cometeu o desatino de afirmar que professores "doutrinadores" são piores que traficantes e logo apareceram expoentes da esquerda, que em outras situações se dizem democratas, querendo cercear o seu direito de falar bobagem. O ex-deputado Jean Wyllys (PT-RJ), por sua vez, em ataque gratuito ao governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB), relacionou sexualidade com posicionamento político, e logo apareceram os que querem impedir o petista de expressar besteiras como essa.
Mas todos, claro, quando não estão tentando cercear a manifestação de pensamento dos outros, se dizem grandes defensores da liberdade de expressão.
Um primeiro passo para aceitar a liberdade de expressão de quem pensa diferente é entender a diferença entre informação e opinião. No Brasil, essa compreensão está em falta. E prova disso é que os brasileiros, comparados com outros povos, valorizam demais o que dizem influenciadores digitais (pergunte ao pessoal de marketing das grandes empresas) e consomem pouco ou de maneira superficial conteúdo verdadeiramente jornalístico, submetido a um crivo editorial mais rigoroso.
O resultado é que temos cidadãos em todas as esferas, inclusive empresários, políticos e juízes, incapazes de entender que um país, para ser democrático, precisa de uma imprensa independente e diversa e precisa valorizar os jornalistas — principalmente aqueles que insistem em trazer informações e análises que vão contra nossas convicções mais arraigadas.
Autodeclarados defensores da liberdade de expressão que atuam para calar jornalistas estão apenas adicionando camadas de ódio à mordaça que um dia acabará calando eles próprios.