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Diogo Schelp

Diogo Schelp

Pandemia

Quantas vidas vamos perder para o coronavírus?

Covid-19
Mais de 30 caixões de vítimas da Covid-19 foram armazenados antes de serem transportados para outra região para cremação, na Lombardia, Itália (Foto: Piero CRUCIATTI/AFP)

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São as imagens mais fortes da pandemia do novo coronavírus até agora, divulgadas na sexta-feira (27) pelo jornal americano New York Times. A reportagem, com o título "Nós carregamos os mortos de manhã até de noite", mostra o colapso no sistema de saúde na cidade de Bergamo, na Itália, a mais afetada pela Covid-19, com mais de 1.300 mortes e contando. Macas enfileiradas em corredores dos hospitais, doentes sendo socorridos em casa por funcionários com equipamentos de proteção individual (EPIs, em falta nas unidades públicas de saúde brasileiras) dignos de filmes de guerra biológica e crianças se despedindo à distância — talvez para sempre — de pais sendo levados para dentro de ambulâncias.

A Itália segue tendo recordes diários de mortes pela Covid-19 e, assim como a Espanha, já superou a China, onde o surto viral começou, em números absolutos. Não que se possa acreditar nos dados que o governo chinês tem divulgado. Há relatos vindos da imprensa em Hong Kong, mais livre do que na China continental, de que Pequim está escondendo pelo menos um terço dos novos casos.

Ora, mas o Brasil é um país mais jovem e mais quente do que a Itália. Verdade para as duas afirmações. Mas isso é o suficiente para assegurar que os brasileiros estão protegidos de um desastre, de cenas espantosas como as que podem ser vistas na reportagem acima citada?

O cientista americano Dennis Carroll, que nos últimos quinze anos comandou o Programa de Ameaças de Doenças Infecciosas da Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (USAID), disse-me que há dois fatores a serem levados em conta em relação ao argumento climático ("moro num país tropical") e ao demográfico ("somos tão jovens").

O primeiro é que ninguém sabe, ainda, se o coronavírus terá um comportamento sazonal, ou seja, se vai dar uma trégua conforme as temperaturas aumentam no hemisfério norte, para voltar apenas no início do inverno.

O segundo é que, apesar de jovem, o Brasil tem uma grande população e, se nossos idosos forem contaminados, isso seria o suficiente para esgotar os recursos e as capacidades do nosso sistema de saúde.

O que se pode concluir a partir das ponderações feitas por Carroll? Quantas vidas vamos perder para o coronavírus?

Na questão climática, além da incerteza sobre se as temperaturas mais elevadas são mesmo uma barreira para o vírus, há de se considerar que o Brasil está justamente entrando em uma estação mais fria.

Segundo uma análise do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, a maioria das infecções do coronavírus até agora ocorreu em regiões do mundo com temperaturas entre 3°C e 17°C. Em São Paulo, por exemplo, a média climatológica começa a entrar nessa faixa em maio e ali permanece até agosto. Como o vírus vai se comportar no outono brasileiro? Não se sabe.

Quanto à questão demográfica, ainda que apenas os mais velhos tivessem a vida ameaçada pelo Covid-19 (o que não é verdade, como mostra o levantamento divulgado pelo Ministério da Saúde na sexta-feira, 27, segundo o qual 11% dos mortos têm 60 anos ou menos), é preciso lembrar que o Brasil tem uma população de idosos significativa.

Segundo estimativa do IBGE, perto de 10% dos brasileiros têm 65 anos ou mais. Isso representa algo como 20 milhões de pessoas.

Segundo a revista britânica The Economist, estima-se que o coronavírus pode infectar, nos próximos meses, entre 25% e 80% da população dos países emergentes ao sul da linha do Equador.

Com base nessas estimativas, na hipótese mais conservadora — se temperaturas mais altas retardarem a disseminação do vírus, se apenas os idosos se contaminarem e se a infecção só atingir 25% deles — a Covid-19 atingiria 5 milhões de brasileiros.

Quantos desses 5 milhões perderiam a vida é difícil de projetar porque a taxa de letalidade do vírus verificada no Brasil pode estar distorcida por falta de diagnóstico. (A orientação no estado de São Paulo, por exemplo, é a de fazer o teste apenas em pacientes em estado grave ou que morreram.) Mas, levando-se em conta a taxa de letalidade da Covid-19 na China, nos primeiros meses de epidemia, que foi de cerca de 3%, isso significaria que 150.000 brasileiros poderiam morrer — lembrando que estamos falando aqui apenas de idosos, sem considerar os riscos para outras faixas etárias.

Essa é uma estimativa conservadora no caso de que nada fosse feito — nenhuma medida de isolamento social, por exemplo. Um estudo recente do Imperial College de Londres é menos otimista: projeta 1,15 milhão de mortos pela Covid-19 no Brasil, se nada for feito. O mesmo trabalho estima que 44.000 brasileiros perderiam a vida por causa da doença em um cenário em que medidas drásticas de restrição fossem tomadas.

Pode-se, também, citar um estudo da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que projetou em 478.000 o número de mortos pela Covid-19 no Brasil, em um cenário em que 40% da população se visse infectada pelo vírus. O estudo levou em consideração as características etárias da população brasileira e fatores como a estrutura do nosso sistema de saúde.

É bem possível que outros vetores façam com que o número não chegue nem perto disso. Mas e se forem 10% ou mesmo 1% do que os pesquisadores projetaram: 47.800 mortos? 4.780 mortos? O Brasil não pode parar para salvar essas vidas?

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