O noticiário político foi inundado nos últimos dias por imagens das câmeras de segurança do Palácio do Planalto durante os atos golpistas do último dia 8 de janeiro. O que se vê na maioria delas é a atuação sem impedimentos dos vândalos durante invasão da sede do Poder Executivo, na presença de funcionários, muitos deles militares, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que tem entre suas missões justamente proteger o prédio público. As imagens, porém, não dizem tudo — e as lacunas que elas deixam dão margem para interpretações apressadas, distorcidas ou mesmo mal-intencionadas do que aconteceu.
Os militares do GSI, muitos deles nomeados pelo governo anterior, de Jair Bolsonaro, estavam ajudando os golpistas ou apenas seguindo um protocolo de contenção de crise, para evitar a escalada da situação? Um deles, que estava a cargo justamente da coordenação da segurança do Palácio do Planalto naquele momento, aparece dando água para os invasores ou cumprimentando-os. Também testemunha um dos vândalos mexendo no computador e nas gavetas da recepção da antessala do gabinete presidencial, e passa reto, sem nem repreendê-lo.
A lógica e o apego aos fatos não servem para fazer uma boa teoria da conspiração.
As imagens são eloquentes, parecem dizer tudo. Mas tratam-se de evidências incompletas. Isoladamente, contudo, são perfeitas para o trabalho dos produtores de fake news, de notícias fraudulentas.
Omitindo-se uma informação aqui, distorcendo outra ali, fica fácil apresentar a versão, por exemplo, de que a atuação de suposta omissão do general Gonçalves Dias, então ministro do GSI, durante os atos de vandalismo está conectada a uma alegada conivência do governo Lula nos eventos de 8 de janeiro. E, assim, essa interpretação é encaixada na narrativa fantasiosa mais ampla de que os lamentáveis acontecimentos daquele dia foram incentivados ou até mesmo organizados por esquerdistas infiltrados.
O mesmo tipo de leitura enviesada das imagens está sendo feita em relação à cena em que um dos invasores arromba a porta de vidro da antessala do gabinete de Lula, mesmo sabendo que seu gesto estava sendo registrado por um profissional da agência Reuters. Como mostram as imagens da câmera de segurança, o vândalo depois se aproxima do fotógrafo, pede para verificar no visor os registros feitos por ele e o cumprimenta com um aperto de mão.
Para um grupo de pessoas dispostas a acreditar em algo, o que lhes parece verdade se torna a verdade.
Jornalistas e fotógrafos que já cobriram manifestações violentas sabem que a presença deles naquele contexto é delicada e arriscada. Eles têm a missão de observar e registrar tudo sem participar ou interferir nos fatos. Há situações extremas em que a presença de profissionais da imprensa até serve para inibir um ato potencialmente criminoso. Em outras, é um incentivo para infratores que usam a violência para transmitir uma mensagem política para o grande público.
Em ambas situações, o jornalista, cinegrafista ou fotógrafo só consegue fazer seu trabalho se sua presença ali for tolerada por aqueles que estão sendo registrados. No meio de uma multidão agressiva, manter uma atitude amistosa com os membros da massa é o mínimo que um profissional de imprensa pode fazer para assegurar a própria segurança.
É comum, por exemplo, que manifestantes peçam aos fotógrafos para ver a imagens que foram feitas deles, ora por curiosidade e vaidade, ora como ato de censura, para se certificar de que seu rosto não apareceu durante um ato de depredação, por exemplo. Isso não significa que o profissional de imprensa é cúmplice do que está acontecendo — ele está apenas se equilibrando no fio da navalha entre a necessidade de registrar os fatos e o risco de ser visto como um inimigo, e portanto um alvo, de uma multidão volátil e cheia de gente paranóica. Prova da fragilidade desse equilíbrio é o fato de que muitos jornalistas foram agredidos e hostilizados no 8 de janeiro.
No entanto, como era de se esperar, sites especializados na produção de fake news já estão alimentando a versão estapafúrdia de que a interação entre o manifestante e o fotógrafo comprova que a invasão ao Palácio do Planalto é uma armação da esquerda. "Evidências" disso seriam os retratos de Lula feitos pelo fotógrafo e postados em suas redes sociais ou o fato de que seus registros foram publicado no G1, do grupo Globo — como se não fosse óbvio que qualquer fotógrafo de notícias que atua em Brasília fizesse fotos do presidente ou que praticamente todos os veículos de comunicação se utilizem de conteúdo produzido pela Reuters.
Mas a lógica e o apego aos fatos não servem para fazer uma boa teoria da conspiração. Basta preencher as lacunas das evidências com informações falsas ou distorcidas e pronto: para um grupo de pessoas dispostas a acreditar em algo, o que lhes parece verdade se torna a verdade.
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