Todos os anos, a paróquia do meu bairro fecha a rua em frente à sua igreja para dois finais de semana seguidos de festa junina. Em outros anos, não vi tanta gente quanto neste sábado (5). Talvez por ter sido o primeiro dia de festejo depois de dois anos de interrupção do evento, por causa da pandemia. As pessoas deviam estar com síndrome de abstinência de pescaria no balde, do bingo no salão da igreja, do forró tocado em alto volume nas caixas de som antigas e estouradas. Fiquei observando a pequena multidão e pensando como aquela cena poderia nos inspirar a pacificar as diferenças que extrapolam a política e corroem nossa identidade como nação.
O que vi foram centenas de pessoas compartilhando da mesma alegria de estar de pé, no meio de uma rua, conversando em rodas de amigos com um vinho quente nas mãos, comprando fichas de 1, 2, 5 ou 10 reais, ilustradas no verso com imagens de santos de junho, nos desorganizados caixas da igreja para, em seguida, gastá-las nas barraquinhas enfeitadas com bandeirinhas de papel.
Qual é o povo que entra numa fila, em uma noite fria, para comprar milho verde com margarina, canjiquinha com canela, sanduíche de pernil ou para comer doces exatamente iguais aos que são vendidos na padaria que fica a poucos metros dali (sem fila e com lugar para sentar)? Só mesmo um brasileiro para ver graça em atrações culinárias tão singelas e para considerar que elas ganham um sabor extra quando servidas sob uma barraca de lona por um casal de idosos que você encontra nas missas ou que podem ser seus vizinhos, mas com quem você nunca teve a oportunidade de conversar antes.
A nação é uma construção ideológica, alicerçada em uma identidade por semelhança. Como brasileiros, temos muita coisa em comum. Aderimos de forma mais ou menos homogênea a um conjunto de valores, de gostos, de interesses e de repertórios culturais comuns.
Nos últimos tempos, estamos nos esquecendo de que somos uma nação, de que somos um povo com uma identidade coletiva compartilhada que não exclui outras identidades ou o sentimento de pertencimento a grupos menores dentro dela: a identidade político-partidária, a identidade religiosa, etc.
A discussão política no país, porém, tornou-se de tal forma tóxica nos últimos anos que parece haver uma tentativa de anular o direito de ser brasileiro do grupo oposto, daqueles que pensam diferente, que compreendem que o caminho a ser trilhado pelo país é outro.
Essa tentativa de anulação e de exclusão do outro do pertencimento à nação como construção coletiva está presente até mesmo no discurso dos dois principais candidatos à presidência do país. Isso ocorre quando um diz que tem o povo ao seu lado, mas claramente exclui desse imaginário coletivo aqueles identificados como esquerdistas ou progressistas. E ocorre quando o outro retoma o discurso do "nós contra eles" com base em critérios de classe, do "povo" contra as elites econômicas.
Precisamos voltar a discutir que tipo de nação queremos ser com base naquilo que temos em comum, na nossa identidade coletiva compartilhada. Quais são nossas aspirações mais amplas? Queremos alcançá-las fomentando a cisão e o ressentimento ou buscando a união?
No momento em que voltarmos a entender que somos todos brasileiros, e que as diferenças políticas são formas distintas (que podem e devem ser questionadas e debatidas, mas com moderação e civilidade) para alcançar soluções para os mesmos problemas, teremos mais chances de progredir como nação.
Observando-se os frequentadores da festa junina da paróquia do meu bairro, não era possível saber quem era petista, quem era bolsonarista ou quem era "terceira via". Eram todos brasileiros. Não apenas na superfície, mas também na essência. Ainda bem.
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