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ética na política
O presidente Lula e o ministro das Comunicações, Juscelino Filho| Foto: André Borges/EFE

Uma amostra do estado atual da ética na política: quase duas semanas depois de ser indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro, Juscelino Filho, ministro das Comunicações, recebeu um afago do presidente Lula. Ele tem direito de se defender, disse Lula, que também afirmou estar "feliz" com o ministro. Para quem já esteve preso por corrupção e só foi solto por um malabarismo processual, não por absolvição no mérito, não há mesmo muito motivo para dar bola para o fato de a polícia ter encontrado indícios fortes de crimes.

A campanha eleitoral de 2022 mostrou que o desejo da maioria dos eleitores por uma atitude ética na política foi suplantado pela polarização irracional entre petismo e bolsonarismo. Ou entre antipetismo e antibolsonarismo, que é a maneira mais realista de descrever esse embate político sustentado mais em ódio mútuo do que em divergência de ideias.

Inverteu-se o padrão moral. Os efeitos nefastos da corrupção passaram a ser culpa de quem pune a corrupção, não de quem corrompe ou é corrompido

Os dois extremos dessa polarização contribuíram para normalizar a atitude antiética na política. Do lado do PT, depois de anos de roubalheiras comprovadas e confessadas, o combate à corrupção passou a ser tratado pejorativamente como “moralismo”. Ou como uma forma de perseguir Lula e de destruir empresas. Inverteu-se o padrão moral. Os efeitos nefastos da corrupção passaram a ser culpa de quem pune a corrupção, não de quem corrompe ou é corrompido.

Do lado do bolsonarismo, assistiu-se a um governo que representou um enorme retrocesso no combate à corrupção, apesar de ter sido eleito com a promessa de fazer o oposto. Segundo a ONG Transparência Internacional, o desmanche no combate à corrupção e da transparência da gestão pública sofreu um retrocesso sem precedentes no governo Bolsonaro. Foi desde a institucionalização da roubalheira por meio do orçamento secreto até o desmanche da Lava Jato e a aprovação de projetos que reduziram os instrumentos para punir maus gestores públicos, como a aprovação das mudanças na Lei de Improbidade Administrativa.

E os inquéritos que investigam a venda de joias recebidas de governos estrangeiros e falsificação de certificado de vacinação por Bolsonaro e seu entorno sugerem que, até nos exemplos mais comezinhos, o comportamento ético passava longe dali.

Os abusos cometidos por juízes e procuradores da Lava Jato são apenas parte da explicação para essa ressaca do combate à corrupção. Outra parte importante é a própria reação da classe política aos esforços para mantê-la sob o escrutínio público. O ex-procurador-geral da República Augusto Aras resumiu bem essa reação ao dizer que era contra “criminalizar a política”. Uma maneira de dizer que a cobrança por comportamento ético e os esforços para punir maus gestores e maus políticos era uma atitude antipolítica. Quando na verdade o que se pretende com o combate à corrupção é o aperfeiçoamento da política por meio da ética e da transparência, não a sua destruição.

Ainda existem algumas entidades da sociedade civil, alguns esforços organizados, para lutar pela ética na política. Mas um dos melhores caminhos continua sendo o voto consciente. Ou seja, escolher candidatos comprometidos com uma agenda de ética na política. Um levantamento feito pelo Projeto 200+ na legislatura anterior mostra que esse compromisso é um exceção. Só 8% dos parlamentares votaram a favor de projetos que aumentavam a transparência e fiscalização do poder público e contra leis que procuravam reduzir os instrumentos de combate à corrupção.

É muito pouco, e esse tipo de postura continua sendo uma exceção na atual legislatura. A ressaca moral agora encontra respaldo na esquerda, na direita e no centrão. Os ecos das ruas em 2013 e 2016 estão cada vez mais distantes. Quem, na política, vai defender a ética na política?

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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