Em todas as áreas, o medo de perder privilégios sempre supera a indignação daqueles que não os possuem. E poucos grupos no Brasil têm tantos privilégios quanto a classe política. Dinheiro público financia as campanhas e os partidos, cujos caciques direcionam as verbas para a manutenção do status quo, ou seja, da primazia de pessoas e aliados que já fazem parte dos círculos de poder. A ideia de renovação política é um mito. Na eleição passada, só 39% dos deputados eleitos eram novatos. A Justiça alcança de forma diferente políticos e não-políticos, normalmente pendendo a favor dos primeiros. À disposição dos eleitos nas três esferas federativas, nos municípios, nos estados e em Brasília, estão cargos e mais cargos de confiança a serem distribuídos entre apadrinhados. Tudo isso desgasta a imagem dos políticos, especialmente daqueles eleitos para cargos legislativos, em grande parte porque insistem em fazer leis para o proveito próprio — para manter e aumentar seus privilégios — e não para o bem geral. Isso inclui as reformas eleitorais em discussão no Congresso Nacional.
Essas reformas eleitorais ocorrem em quatro frentes: a chamada minirreforma eleitoral, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Anistia, a PEC das Mulheres (que finge incentivar, mas acaba atrapalhando, o aumento da participação feminina na política) e o Novo Código Eleitoral. Para que as mudanças previstas por qualquer uma dessas reformas eleitorais possam valer já no pleito do ano que vem, a aprovação precisaria ocorrer até o dia 5 de outubro.
A aversão ao trabalho do Congresso, em vez de ensejar uma mudança de postura dos parlamentares, leva-os a atuar mais ainda em prol dos próprios interesses.
Por trás de boa parte dessas propostas estão interesses das forças políticas que dão as cartas do poder há muitas décadas em troca da governabilidade para o presidente de ocasião. Refiro-me ao Centrão, claro, atualmente personificado principalmente pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
Com apoio de Lira, o Congresso vem atuando para aumentar os privilégios da classe política. Exemplos disso são as mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, que dificultam a punição de corruptos na gestão pública, a tentativa de aprovar uma PEC para enfraquecer o Ministério Público, que não passou, e também a de ampliar de tal forma a imunidade parlamentar que impediria a Justiça de afastar legisladores que tenham cometido crimes. Agora, com a minirreforma eleitoral, os parlamentares tentam restringir a aplicação da Lei de Ficha Limpa, que tem o mérito de dificultar o acesso de maus políticos às urnas. Com a PEC da Anistia, tenta-se passar uma borracha em todo tipo de irregularidades de campanha, normalizando o não cumprimento da lei por aqueles que a fazem. O Novo Código Eleitoral, que foi aprovado na Câmara e agora tramita no Senado, é um grande apanhado de todos esses retrocessos e mais um pouco.
Há uma crise de representação no Brasil, que não é de hoje mas vem se agravando.
O texto original que passou pelos deputados abre brecha para a compra de votos em situações em que não há "violência ou grave ameaça" contra os eleitores, reduz a punição a práticas conhecidas como voto de cabresto e flexibiliza a prestação de contas de campanha.
Míseros 16% dos brasileiros consideram que o trabalho de deputados e senadores é ótimo ou bom, apontou pesquisa Datafolha divulgada na semana passada. A avaliação dos congressistas é pior até do que a da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), tão questionado em meses recentes pelo excesso de politização.
A aversão ao trabalho do Congresso, em vez de ensejar uma mudança de postura dos parlamentares, leva-os a atuar mais ainda em prol dos próprios interesses. Cinicamente, tratam essa rejeição popular como uma forma de discriminação — a ponto de a Câmara dos Deputados ter aprovado, também com apadrinhamento de Lira, um projeto de lei que torna crime a "discriminação" de políticos eleitos e outras autoridades públicas. O texto, que está parado no Senado, é o verdadeiro PL da Censura, pois de maneira sorrateira permite aos juízes punir com cadeia quem fizer críticas até mesmo a políticos que são réus por corrupção, por exemplo.
Há uma crise de representação no Brasil, que não é de hoje mas vem se agravando, e especialistas afirmam que mais do que reformas eleitorais, o país precisa de uma reforma política profunda. Mas ela nunca virá, pois levaria ao desmantelamento do sistema que garante a perpetuação dos grupos que dão as cartas do poder e que jamais atuarão para se desfazer dos próprios privilégios.
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