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Diogo Schelp

Diogo Schelp

Coronavírus

O rodízio de Covas, a cloroquina de Bolsonaro e a política do achismo

Bolsonaro e cloroquina
Bolsonaro é um entusiasta do uso da cloroquina para o combate à Covid-19 (Foto: Reprodução)

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De boas intenções a política está cheia. Quem não quer uma solução eficiente para reduzir o contágio pelo novo coronavírus e quem não quer uma cura acessível e barata para a doença que ele causa? O problema é quando a intenção é transformada em ação sem embasamento técnico, confiando-se mais no achismo do gestor do que na análise fria da realidade e da relação de causalidade. Na semana que passou, tivemos dois exemplos da política do achismo em polos opostos da agenda pública na pandemia: o rodízio de veículos em São Paulo e a promoção da cloroquina pelo presidente Jair Bolsonaro.

Uma semana foi o tempo que durou a atrapalhada tentativa da prefeitura de São Paulo de aumentar o índice de isolamento social na cidade, que está abaixo de 50%, por meio da implantação de um rodízio drástico de carros, em que os veículos só podiam circular em dias alternados.

Resultado: a taxa de isolamento social só aumentou dois pontos percentuais. Já o efeito negativo da medida foi maior do que o benefício, pois elevou em cerca de 100.000 o número de pessoas que se viram obrigadas a recorrer ao transporte público — onde, quanto maior a aglomeração, maior é o risco de contágio.

Ou seja, além de colocar em risco as pessoas que tiveram que deixar o carro em casa para se locomover em trens, metrôs e ônibus, o chamado "rodízio da morte" também piorou a situação de quem já é usuário habitual do transporte público e passou a viajar em vagões e veículos coletivos mais lotados.

Parecia óbvio que esse seria o efeito da medida antes mesmo de ela ser implantada. Mas, nas palavras do prefeito Bruno Covas, é preciso ser "criativo". Neste domingo (17), o rodízio dia sim, dia não foi suspenso. A política do achismo continua. A gestão municipal agora busca outras alternativas para aumentar o isolamento social com o objetivo de reduzir a taxa de contaminação do novo coronavírus.

Esse tipo de formulação de política pública por tentativa e erro é conhecido como garbage can ("lata de lixo", em inglês, uma referência ao local figurativo onde fica um número limitado de soluções disponíveis para uma quantidade muito maior de problemas a serem resolvidos). Por esse modelo, as soluções estão em busca de um problema e não o contrário.

O caso de amor entre o presidente Jair Bolsonaro e a cloroquina ou hidroxicloroquina, medicamentos já usados no tratamento de lúpus, artrite e malária, é distinto.

A agenda de política pública contra a pandemia de covid-19 do governo federal exclui quase inteiramente a prevenção (que consiste, basicamente, em promover o distanciamento social, aliado a medidas de higiene) e foca no tratamento.

Mas qual tratamento? Bolsonaro insiste na ampliação do uso da hidroxicloroquina para "tratar" pacientes com covid-19, apesar de não existir evidência científica de sua eficácia. Os estudos que embasam as esperanças do presidente são frágeis, pois foram feitos sem grupo de controle ou em um universo muito pequeno de pacientes, e portanto são irrelevantes do ponto de vista estatístico. Além disso, há pesquisas mais recentes indicando que esses medicamentos têm eficácia nula no tratamento da covid-19, além de poderem causar efeitos colaterais graves, como arritmia cardíaca.

São necessários ensaios clínicos mais completos para comprovar ou descartar de vez os supostos benefícios da hidroxicloroquina. Por isso, e na falta de outro tratamento eficaz, o que existia até agora era um protocolo, definido pelo Ministério da Saúde, para o uso do remédio em pacientes com covid-19 em estado grave e em ensaios clínicos, com autorização do paciente.

Bolsonaro quer ampliar esse protocolo para pacientes em estágios iniciais da doença, apesar dos riscos conhecidos, e estava pressionando o ex-ministro Nelson Teich para que adotasse a nova recomendação. Teich, munido com informações dos resultados preliminares das pesquisas que estão sendo feitas com hidroxicloroquina em hospitais brasileiros, se opôs. E foi esse embate que o fez pedir exoneração do cargo.

A política do achismo de Bolsonaro em relação à cloroquina não é de tentativa e erro pois, nesse caso, o gestor se recusa a aprender com o erro. Se o número de mortes por covid-19 no país continuar crescendo exponencialmente e os ensaios clínicos concluírem que a hidroxicloroquina não tem efeito algum no tratamento da doença, ele vai afirmar que pelo menos tentou dar uma esperança de cura.

O processo decisório, no exemplo da cloroquina, é sustentado no conjunto de valores e crenças do governante, que se recusa a ouvir opiniões técnicas contrárias — só aquelas que confirmam o que ele pensa. O importante é que ele não possa ser responsabilizado por nada que dê errado.

De boas intenções a política está cheia. De más, também.

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