A socióloga nicaraguense Elvira Cuadra fez uma revelação espantosa na semana passada em entrevista ao jornalista Duda Teixeira, da Crusoé: o único presidente em exercício a criticar os recentes atos de perseguição a padres católicos pelo regime de Daniel Ortega na Nicarágua teria sido o presidente Jair Bolsonaro. O espantoso não é a declaração de Bolsonaro contra Ortega, já que o brasileiro por nada perderia a chance de criticar um ditador de esquerda latino-americano (ele não faz o mesmo, obviamente, em relação a tiranos sauditas ou a um certo ocupante do Kremlin). O que causa incômodo é o silêncio dos outros governantes, principalmente daqueles que ocupam o poder em países do Continente Americano.
Ortega há tempos vem endurecendo a repressão contra opositores em seu país. As ondas de perseguição à Igreja Católica vêm ocorrendo desde 2018, quando ele enfrentou protestos populares, que foram violentamente esmagados. Em julho deste ano, ele chegou a expulsar do país dezoito freiras da ordem fundada por Madre Teresa de Calcutá. Queima de templos e de imagens, proibição de procissões e fechamento de estações de rádio católicas são alguns dos abusos cometidos pelo regime. Na semana passada, foi ordenada a prisão de mais um padre crítico das violações dos direitos humanos no país. Não foi o primeiro e dificilmente será o último.
Pode-se imaginar que o silêncio dos governos latino-americanos em relação perseguição à Igreja na Nicarágua deve-se ao fato de que a região, agora, é dominada por governos de esquerda e, portanto, alinhados com Ortega e seu histórico de "revolucionário" sandinista.
Mas não foram só os esquerdistas latinos que silenciaram. Uruguai, Paraguai, Equador, Costa Rica e Guatemala (esses dois vizinhos da Nicarágua) têm governos de direita, mas também não se manifestaram individualmente.
Nem mesmo o presidente americano Joe Biden se pronunciou sobre os novos atos de perseguição à Igreja na Nicarágua, apesar de o democrata não ter nenhum apreço por Ortega, tanto que os Estados Unidos mantêm duras sanções contra os integrantes de sua família.
Uma guerra do outro lado do Oceano Atlântico pode estar fazendo todos esses governantes, esquerdistas ou direitistas, latinos ou norte-americanos, adotar cautela em relação à Nicarágua. Pelo menos por ora.
A Nicarágua é um dos principais aliados da Rússia no continente, ao lado da Venezuela. E os Estados Unidos têm demonstrado interesse em desfazer essas alianças em seu quintal. Não interessa a Biden, que está revivendo uma Guerra Fria 2.0 com a parceria Rússia-China, enfrentar uma influência crescente de Moscou em seu quintal geopolítico.
Com a Nicarágua, a Rússia fechou acordo para atracar embarcações militares nos portos do país sem autorização prévia. Também fez cooperação nas áreas de treinamento policial, vigilância supostamente voltada para combater o narcotráfico e cibersegurança — tudo, suspeitam os americanos, para escamotear atividades de inteligência russa na região do Caribe.
Pois bem. Recentemente, o jornal americano The New York Times publicou uma reportagem revelando que um dos filhos de Ortega tem feito contato com os americanos para conseguir um alívio nas sanções financeiras contra a família do ditador. A equipe de Biden deu corda para os Ortega. Pode ser uma oportunidade para exigir um afastamento da Rússia. Trata-se, portanto, de um momento estratégico para os Estados Unidos, com muito mais em jogo do que posar de bom moço defendendo os direitos humanos e a liberdade religiosa no pequeno país da América Central.
Há também a questão migratória. Exilados cubanos estão chegando em números recordes aos Estados Unidos pela fronteira com o México. E um dos fatores facilitadores para esse fluxo é a decisão de Ortega de liberar os vistos para os cubanos que chegam ao seu país — e que, de lá, fazem a viagem para o norte, rumo aos Estados Unidos.
Da mesma forma, quanto ao silêncio dos governantes latino-americanos em relação à perseguição à Igreja nicaraguense, engana-se quem pensa que é algo de motivação puramente ideológica. Vale a pena olhar para um fator que se encontra abaixo da superfície dos discursos: a crescente influência da Rússia e da China na região.
Os governos da região se contentam, por enquanto, em escorar-se no posicionamento adotado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), ao qual muitos de seus países pertencem, que condenou a repressão na Nicarágua nos seguintes termos: a OEA "condena energicamente o fechamento forçado de organizações não governamentais, assim como o assédio e as restrições arbitrárias de organizações religiosas e das vozes críticas do governo e suas ações na Nicarágua." Apenas Bolívia, Honduras, El Salvador e México se abstiveram, e São Vicente e Granadinas votou contra a resolução. Todos outros países membros foram a favor da nota de condenação.
Ou seja, preferiram criticar Ortega coletivamente, em vez de fazer notas individuais e diretas de condenação.
Além disso, mais de 20 ex-chefes de Estado e de governo ibero-americanos pediram ao papa Francisco para agir em favor da liberdade religiosa na Nicarágua.
Os atuais, porém, estão em silêncio, limitando-se à resolução da OEA. E há uma razão para isso que vai além da ideologia.
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