Ouça este conteúdo
Os dilemas da oposição à ditadura chavista da Venezuela repetem-se em ciclos, como o dia da marmota do filme Feitiço do Tempo, de 1993. Como livrar o país do desastroso regime de inspiração socialista criado pelo falecido presidente Hugo Chávez participando de um jogo que é construído para que a oposição nunca mais consiga voltar ao poder? A possibilidade de alternância de governo é praticamente impossível na Venezuela, mas boicotar as falsas eleições que servem para legitimar o regime também é uma opção ruim, pois fortalece ainda mais o status quo.
Esse dilema está por trás também do anúncio, feito no fim de semana, de que o ex-diplomata Edmundo González Urrutia será o candidato da oposição à presidência do país, nas eleições farsescas marcadas para julho. Ele vai "enfrentar", na falta de um verbo melhor, nas urnas o ditador Nicolás Maduro, que ocupa o poder há doze anos.
Se governo venezuelano resolvesse jogar limpo e permitir uma disputa justa, González Urrutia, mesmo desconhecido entre os venezuelanos, teria grande chance de derrotar Maduro.
González Urrutia não queria ser candidato. Ele só se registrou no órgão eleitoral da Venezuela pouco antes do fim do prazo porque outra aspirante a candidata, Corina Yoris, estava sendo impedida de se inscrever. Yoris, por sua vez, já era a segunda escolha da Plataforma Unitária Democrática (PUD), que reúne os principais grupos opositores do país. Ela foi indicada para substituir a favorita, Maria Corina Machado, que havia sido eleita em primárias da oposição no ano passado para disputar o pleito e tinha mais de 50% das intenções de voto. Machado, no entanto, foi impedida de concorrer por decisão da Justiça venezuelana, controlada por Maduro.
González Urrutia se inscreveu para servir como candidato-tampão. A rigor, seu nome poderia ser trocado posteriormente, mas o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), em mais uma decisão arbitrária, não permitiu que isso ocorresse. O governador Manuel Rosales, outro candidato que havia conseguido se inscrever, mas era menos aceito pela maioria das lideranças opositoras, desistiu da disputa. Na falta de opções, sobrou para González Urrutia, que precisou ser convencido a aceitar a empreitada em uma reunião que durou algumas horas com aliados.
O apoio de Maria Corina Machado, declarado neste domingo (21), sela seu nome como candidato da oposição. Se, por um milagre, a partir de hoje o governo venezuelano resolvesse jogar limpo e permitir uma disputa justa — o que não ocorreu até agora —, González Urrutia, mesmo desconhecido entre os venezuelanos, teria grande chance de derrotar Maduro. Mas é difícil acreditar que isso aconteça. O mais provável é que ele seja massacrado pela máquina repressora e difamadora do Estado chavista.
Aos 76 anos, González Urrutia terá semanas difíceis pela frente, mas seu passado é interessante. Diplomata de carreira desde o final da década de 70, ele chegou a ser embaixador da Argentina no início do governo de Hugo Chávez. Foi ele quem organizou a primeira visita de Chávez a Buenos Aires e posteriormente trabalhou pela entrada da Venezuela no Mercosul, algo só veio a ocorrer bem mais tarde, com a ajuda da então presidente brasileira Dilma Rousseff. Mas, a essa altura, González Urrutia já havia deixado a carreira diplomática há muito tempo. Isso ocorreu dez anos antes, em 2002, um ano definidor para a política venezuelana, pois foi quando Hugo Chávez enfrentou uma tentativa de golpe de Estado e passou a perseguir com ainda mais empenho a oposição ao seu governo.
Desde então, González Urrutia se dedicou às atividades acadêmicas. Em um artigo de 2015, por exemplo, ele analisou as relações bilaterais entre Brasil e Venezuela, concluindo que a parceria entre os dois países nos anos anteriores havia sido pautada, por um lado, pelos interesses mercantilistas do então presidente Lula e, por outro, pela ideologia de Chávez e sua necessidade de obter apoio para enfrentar os problemas políticos internos de seu país.
González Urrutia, segundo o jornal espanhol El País, sempre teve uma atuação restrita aos bastidores da articulação política da oposição, principalmente nas relações com outros países no período anterior à eleição legislativa de 2015, a única em que o chavismo saiu derrotado. Agora, ele vai ter que sair da coxia e fincar os pés na frente do palco da política.
O jogo é bruto e ele está fadado a ser derrotado, mesmo que isso vá contra a vontade da maioria da população da Venezuela.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos