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Moro é de centro
O ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, e o apresentador Luciano Huck| Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

A notícia de que Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, recebeu em sua casa, em Curitiba, o apresentador de TV Luciano Huck para discutir uma possível frente "de centro" para as eleições presidenciais de 2022 — que incluiria também o governador tucano de São Paulo, João Doria — provocou uma espécie de surto entre políticos e formadores de opinião de esquerda. "Como assim, Moro é de centro?", indignaram-se.

O argumento geral é de que, longe de ser de centro, Moro é de extrema direita. Ciro Gomes, do PDT, que almeja disputar a presidência novamente, resumiu da seguinte forma: "No dia em que Doria, Huck e Moro forem de centro, eu sou de ultraesquerda, o que eu nunca fui." Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, disse que não apoiaria "uma chapa integrada por alguém de extrema direita", referindo-se a Moro. O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB, utilizou-se do fato de Moro ter gravado um vídeo para um candidato bolsonarista à prefeitura de Fortaleza (CE), o Capitão Wagner, do Pros, para afirmar que ele "começou muito mal a sua tentativa de se reinventar como referência do centro, após servir a Bolsonaro e dele se servir".

Já o youtuber Felipe Neto, que parte da imprensa fez o favor de elevar ao status de analista político, tratou de avisar no Twitter que "todo jornalista que chamar Moro de 'centro' está agindo como um cretino sem caráter".

Muitos jornalistas não desapontaram o youtuber e reforçaram a classificação de Moro como "extrema direita", valendo-se na maioria das vezes dos mesmos argumentos de Ciro, Maia e Dino. Ciro Gomes e Flávio Dino preparam-se para se lançar como presidenciáveis do campo da esquerda em 2022. Moro é, obviamente, uma ameaça para esses planos.

Rodrigo Maia, por sua vez, tem tanto motivos pessoais quanto partidários para classificar o ex-juiz como extremista. Maia está sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República por suspeitas de repasses ilegais da empreiteira OAS, em desdobramento da Operação Lava Jato, da qual Moro foi juiz. E, como integrante do DEM (a propósito, um partido de direita), Maia pretende se manter no jogo para discutir alianças para 2022.

Para os líderes do partido, Doria e Huck são nomes possíveis para compor uma chapa. Coincidência ou não, após um almoço entre Maia e Huck na segunda-feira (9), o presidente da Câmara amainou as críticas a Moro. Ao votar, neste domigo (15), respondendo a perguntas de jornalistas, disse que o DEM e Luciano Huck têm uma "linha de pensamento convergente" e podem construir juntos um projeto, mas sem Moro.

Que essas e outras lideranças políticas queiram colocar Moro na extrema direita é compreensível — faz parte do jogo político-partidário para 2022. Mas será que a classificação resiste a uma análise fria?

Entre os argumentos mais repisados nesse sentido estão o de que Sergio Moro "serviu" ao presidente Jair Bolsonaro — antes da eleição, pelo papel desempenhado na emergência do antipetismo, e, depois, por ter sido ministro de seu governo — e o de que, no comando da pasta da Justiça, ele defendeu a flexibilização do excludente de ilicitude no Código Penal, permitindo aos juízes reduzir pela metade ou deixar de aplicar uma pena no caso de policiais que cometessem excesso de violência "por escusável medo, surpresa ou violenta emoção". A proposta não foi aprovada.

Se condenar políticos corruptos é uma agenda extremista, então a maioria dos brasileiros está à direita de Gengis Khan. Não é o caso. E ter sido ministro de Bolsonaro não coloca ninguém automaticamente na companhia da Ku Klux Klan ou de neonazistas. Luiz Henrique Mandetta, do DEM, foi ministro da Saúde de Bolsonaro e ninguém o considera um político de extrema direita.

Nem mesmo a defesa do excludente de ilicitude, por si só, é o bastante para enquadrar politicamente quem quer que seja. Ideologias jamais se restringem à opinião sobre um único tema. O ex-presidente e ex-presidiário Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, tem em seu currículo comentários homofóbicos e machistas, mas não há quem o classifique como extrema direita. Está mais para reacionário de esquerda.

A ombudsman da Folha de S.Paulo usou como evidência de que Moro não merece almejar o centro político uma ferramenta de big data do próprio jornal. Trata-se de uma análise do posicionamento ideológico de 1.800 personalidades no Twitter segundo o comportamento de 1,7 milhão de seguidores. Por essa análise, em que a localização no espectro político de um pessoa é definida pela maneira de pensar de quem a segue, Moro está próximo de Bolsonaro no campo da direita.

Ocorre que a própria ferramenta permite observar nuances nessa classificação. Por exemplo, os seguidores de Bolsonaro têm um perfil mais diverso, o que significa que ele é seguido por uma proporção maior de pessoas de centro e de esquerda do que Moro. Isso é esperado, considerando-se que mesmo quem não compactua com as ideias de Bolsonaro quer saber o que anda dizendo o presidente do país. Essa variedade, porém, pode fazer com que Bolsonaro fique menos à direita na análise do que ficaria se fosse seguido apenas bolsonaristas raiz. Além disso, a ferramenta do jornal paulista também indica que, desde a última análise, feita em 2019, Moro moveu-se levemente para o centro, a julgar pela mudança no perfil ideológico de quem o segue — enquanto Bolsonaro permaneceu estacionado.

De qualquer forma, a maneira de pensar dos fãs talvez não seja a melhor evidência da classificação política de uma personalidade. O próprio Sergio Moro, em entrevista concedida em julho deste ano, se classifica como sendo de "centro-direita".

Há muitas maneiras de classificar uma pessoa ou um partido dentro de um espectro político. Todas são subjetivas e dependem de uma combinação de opiniões sobre diferentes temas. Há um modelo que enquadra as ideias políticas em esquerda radical, velha esquerda, esquerda moderna, direita moderna, velha direita e direita radical. Outro estipula gradações da combinação entre posicionamentos econômicos (mais estatista ou mais liberal) e de valores comportamentais (mais progressista ou mais conservador). Outro, ainda, faz um cruzamento de opiniões sobre economia com a aderência a valores democráticos ou totalitários. E por aí vai.

Em qualquer dos modelos de classificação política, para se chegar a uma conclusão é preciso compreender a opinião do indivíduo sobre uma grande variedade de questões. O papel do estado na economia, privatizações, tributação, imigração, desigualdade social, pena de morte, criminalidade, função dos sindicatos, política de drogas, controle de armas, aborto, conduta moral, casamento gay e papel da religião na política, entre muitas outras questões, devem entrar no caldeirão que faz o caldo do posicionamento político.

As opiniões de Sergio Moro sobre questões de justiça e segurança pública são bem conhecidas — e nem sempre apontam para a direita, como no caso da flexibilização das armas, agenda que ele teve de engolir a contragosto quando integrava o governo Bolsonaro. Em outras áreas, o posicionamento do ex-juiz não é tão claro. Nas poucas vezes em que falou de aborto e de temas comportamentais, por exemplo, adotou uma postura legalista, ou seja, de respeito às leis já existentes. Na economia, sua preferência por políticas liberais é bastante evidente, mas ele evita entrar em detalhes.

Este ano, diante da polarização política no combate à pandemia do novo coronavírus, Moro se colocou entre aqueles que são a favor das medidas de distanciamento social que Bolsonaro desprezou — o que, aos olhos dos apoiadores do presidente, colocava o ex-ministro à esquerda do espectro político.

Se adotarmos um modelo simples, com sete graus de classificação (extrema esquerda, esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita e extrema direita), percebemos que faltam a Moro a xenofobia, a aversão aos direitos das minorias, o nacionalismo exacerbado, o antiambientalismo e o negacionismo científico que têm sido elementos definidores da extrema direita contemporânea. O ex-ministro tampouco adere ao desprezo às instituições democráticas, ou seja, à tentação totalitária que é um traço comum tanto da extrema direita quanto da extrema esquerda.

Diante de tudo isso, é mais adequado situar Moro na centro-direita, como ele se define, ou na direita. Jamais na extrema direita. A insistência em classificá-lo assim deve-se em parte a um cálculo eleitoral e em parte ao ódio que o centrão e setores ligados ao petismo têm da Lava Jato.

E se Moro pretende mover-se em direção ao centro do espectro político, que mal pode haver nisso? Seria uma forma de evitar a polarização que em 2018 engessou a política brasileira. Ele precisará, porém, convencer o eleitorado do seu reposicionamento político. E, para isso, terá de deixar mais transparentes suas opiniões sobre temas que vão além da área de atuação pela qual entrou na vida pública.

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