A expressão "tendencioso" ou "tendenciosa" deveria entrar em quarentena. Deveria ficar em lockdown por alguns anos até que recupere seu significado correto ou volte a ser bem usada. Não é a única palavra cujo uso os brasileiros deveriam suspender por um tempo. "Fascista", "esquerdista" e "neoliberal", também. São vocábulos que, ao serem aplicados para tudo, passam a significar nada. Servem apenas para desqualificar adversários ou ideias contrárias. "Tendencioso", palavra mágica das mentes preguiçosas, tem o agravante de, ao contrário dos exemplos acima, ser usada a torto e a direito por pessoas de todo o espectro político.
Uma afirmação, uma decisão ou uma publicação tendenciosa é feita com a intenção de enganar, geralmente por meio da distorção ou omissão dos fatos. Seu autor ou sua autora obedece a uma tendência — ideológica, por exemplo — que se pretende ocultar do interlocutor.
Quando os advogados do ex-presidente Lula dizem que seu julgamento foi tendencioso, querem fazer crer que as três instâncias da Justiça que o condenaram ou confirmaram sua condenação por corrupção ou lavagem de dinheiro tinham intenções ocultas por trás de suas decisões, supostamente pautadas pela parcialidade. Nesse exemplo, como em muitos outros, "tendencioso" é a palavra mágica para desqualificar algo de que não se gosta ou de que se discorda, geralmente quando não se consegue contestar os fatos apresentados.
A imprensa é frequentemente acusada de ser tendenciosa. Na maioria das vezes, de maneira indevida. Explico. Ser tendencioso não é a mesma coisa que ter uma posição sobre os acontecimentos. Um veículo de comunicação costuma seguir uma linha editorial e qualquer jornalista certamente tem uma visão própria do mundo. Isso é natural e até esperado. Por isso se espera que haja pluralidade e independência nesse meio. Ser tendencioso, por sua vez, é ignorar ou distorcer fatos e argumentos que provam o contrário do que se quer acreditar.
É claro que existem reportagens tendenciosas. O problema é que, quando se classifica qualquer informação, declaração ou manchete que nos desagrada como tendenciosa, a palavra perde o sentido. Por exemplo, quando um veículo de comunicação reproduz a fala de um político, não está sendo tendencioso. Está informando o que pensa uma pessoa pública sobre determinado tema. Ponto. Parece óbvio, mas esse tipo de mau uso do termo é frequente.
Da mesma forma, uma opinião e uma análise dificilmente podem ser qualificadas como tendenciosas. Ora, qualquer opinião ou análise emerge da interpretação que seu autor faz dos fatos e, portanto, é resultado do filtro de sua visão de mundo, da sua experiência pessoal e do seu conhecimento.
Também é preciso cuidado ao classificar informações noticiosas como tendenciosas, mesmo quando abordam um fato apenas por um lado, por um recorte parcial. Isso porque as informações que chegam até nós todos os dias, principalmente pela internet, são fragmentadas. São cacos de um mosaico complexo; e raramente nos é possível ver o desenho todo. Se a omissão de um dado ou fato não é intencional, não tem o objetivo de confundir, não é tendencioso.
Um exemplo de informação verdadeiramente tendenciosa é quando se recorre a falácias para afirmar que determinado remédio é a solução para uma doença apenas porque verificou-se que algumas pessoas tomaram e, depois de um tempo, se curaram. É a falácia da falsa causa do tipo post hoc ergo propter hoc (a crença de que se A aconteceu depois de B, então B só pode ser a causa de A), com toques de falácia do atirador (que dispara aleatoriamente contra uma parede em branco e depois faz um círculo onde há mais buracos de bala) e acompanhada de falácia anedótica (quando se tira uma conclusão abrangente de uma experiência individual ou de algumas pessoas).
Mas, para isso, já existem expressões novas: fake news ou desinformação. Para quem não quer ser confundido com as mentes preguiçosas, melhor deixar "tendencioso" em lockdown por um tempo. Quem sabe, depois, o termo recupere o significado e volte a ser bem usado.
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