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Diogo Schelp

Diogo Schelp

Sociedade

Todas as vidas brasileiras importam

vidas brasileiras
Cemitério em Manaus (AM) (Foto: Michael Dantas/AFP)

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Vidas brasileiras importam. Dependendo do contexto em que se faz essa afirmação, há quem sinta um incômodo ou, no mínimo, uma sensação de indiferença. Vidas brasileiras deveriam importar, mas em algumas situações os brasileiros não se importam com elas. Nossa sociedade normalizou as mortes que acontecem em determinadas circunstâncias, perdendo a sensibilidade a elas. Em outras, parecemos o povo mais solidário e indignado do mundo.

O policial civil André Leonardo de Mello Frias, de 48 anos, foi assassinado com um tiro na cabeça enquanto tentava afastar uma barricada instalada por traficantes na entrada da favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, durante a Operação Exceptis, na quinta-feira (6). Frias deixou esposa, enteado e uma mãe que vivia há três anos acamada após sofrer um AVC. O filho é quem a sustentava e cuidava dela.

O Brasil é frequentemente apontado como o país em que mais morrem policiais assassinados. Em 2020, 198 agentes civis ou militares foram mortos em serviço ou de folga, um aumento de 10% em relação a 2019, segundo levantamento do Núcleo de Estudos da Violência da USP e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O Brasil também é considerado o país com a maior letalidade policial do mundo. Em 2020, segundo o mesmo estudo, 5.660 brasileiros foram mortos por policiais, uma redução de 3% em relação a 2019. Os números do Rio de Janeiro costumam ditar a tendência nacional, e os dados de 2021 até agora indicam um ano com nova alta na letalidade policial.

Só na operação no Jacarezinho, foram 28 mortos pela ação policial. Ainda é preciso investigar como essas mortes ocorreram; se houve, de fato, execução sumária de suspeitos desarmados, segundo algumas denúncias. Podem ser "todos bandidos", como afirmou o vice-presidente Hamilton Mourão, ou podem não ser. Mas esse não é o ponto.

Há algo de muito errado quando se normaliza uma situação em que a polícia morre tanto e mata tanto. Os brasileiros deveríamos ficar chocados em saber que tantos profissionais cujo trabalho é garantir a nossa segurança como cidadãos sejam vítimas de assassinato. Muitos ficam, muitos lamentam as mortes de policiais — mas nem todos.

Deveríamos ficar chocados também quando uma operação policial, cuja finalidade deveria ser prender suspeitos e levá-los à Justiça, acaba em tantas mortes. Uma operação que resulta na perda da vida de um policial e de 28 suspeitos, além de dois civis feridos no metrô que passa perto da favela, não pode ser considerada bem sucedida.

Todos os brasileiros merecem um julgamento justo, mesmo os bandidos, mesmo os assassinos. É a lei. Se não for assim, vivemos na barbárie.

As mortes de policiais e as mortes causadas por policiais foram normalizadas em nosso país. Mas a nossa insensibilidade coletiva para mortes em massa ocorre também em outros contextos.

O trânsito brasileiro é um dos mais violentos do mundo. Em 2019, mais de 30.000 brasileiros perderam suas vidas em acidentes nas ruas e rodovias do país. O número vem caindo lentamente ano a ano, mas continua sendo uma enormidade. Temos um dos piores índices de óbitos por 100.000 habitantes, menor apenas do que o de países como Malásia e África do Sul.

Já tivemos anos em que o número de mortes no trânsito foi maior do que o de homicídios. Os brasileiros sofrem individualmente quando acidentes de trânsito vitimizam parentes e amigos, mas, coletivamente, têm dificuldade de assumir a responsabilidade pela tragédia diária em nosso sistema viário — desrespeitando faixas de pedestre, limites de velocidade e outras regras criadas justamente para salvar vidas.

Normalizamos as mortes no trânsito e nos tornamos parte do problema. Ou somos parte do problema e por isso normalizamos as mortes?

Agora ocorre o mesmo com a pandemia do novo coronavírus, que está ceifando vidas de brasileiras de tal forma que, este ano, chegamos a ter mais óbitos do que nascimentos nos piores momentos da crise sanitária. E, pela primeira vez desde 1940, registraremos uma redução na expectativa de vida ao nascer.

Há quem tente minimizar a tragédia da covid-19 dizendo que os brasileiros seguem morrendo de outras causas. Trata-se de uma tentativa de normalizar o aumento extraordinário no total de vidas brasileiras desperdiçadas na pandemia.

Só nos dois primeiros meses deste ano, foram registradas quase 20% mais mortes no Brasil, por todas as causas, do que no mesmo período de 2020, quando a covid ainda não havia matado ninguém no país. Entre 2019 e 2020, aumento de mortes nesses dois meses havia sido de apenas 1,4%.

Ou seja, a covid-19 está sendo incorporada às nossas tragédias nacionais crônicas, às quais já nos tornamos coletivamente insensíveis, junto com as mortes no trânsito e com as mortes de e por policiais.

Não somos um povo insensível à morte. Ao contrário, somos muito solidários e ficamos horrorizados quando um padrasto mata sob tortura uma criança indefesa, quando um psicopata entra numa creche e assassina bebês e professoras a sangue frio com um facão, quando moradores e turistas são soterrados pelo rompimento de uma barragem de uma mineradora ou quando centenas de jovens morrem queimados em uma boate.

Mas há um processo de embrutecimento da alma nacional quando um fenômeno letal se perpetua, se torna diário, depois mensal, depois anual.

Nesses casos, acabamos normalizando a morte em massa. Nesses casos, é como se as vidas brasileiras não importassem.

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