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Diogo Schelp

Diogo Schelp

Estados Unidos

Trump está certo sobre a China em 3 temas

Trump
O presidente americano Donald Trump (Foto: ALEX EDELMAN/AFP)

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Já, já chegaremos à China. Mas, antes, falemos de Brasil e Estados Unidos. O presidente Jair Bolsonaro prepara sua terceira viagem para os Estados Unidos, enquanto seu colega americano Donald Trump ainda não retribuiu a honra nenhuma vez — nem há, por enquanto, planos para isso. Bolsonaro sente-se parte de uma aliança global comandada por Trump e cujos integrantes compartilham alguns valores comuns, como a aversão ao politicamente correto, o antimultilateralismo e o conservadorismo. Trump certamente se sente confortável nesse contexto, especialmente quando recebe a bajulação de outros governantes.

Mas há uma diferença entre os dois — e é assim que logo chegaremos à China. Bolsonaro se apega demais à afinidade ideológica com governos estrangeiros, em especial ao de Trump, e tem pouco foco nos resultados, na busca desbragada por vitórias para o que ele entende como sendo o interesse nacional.

Esse apego maior a uma ideia e menos ao pragmatismo pode ser atribuído à influência do trio que comanda a política externa brasileira, formada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), pelo assessor especial da presidência Filipe Martins e pelo chanceler Ernesto Araújo. Os dois primeiros não têm experiência no jogo internacional e o terceiro era um quadro menor do Itamaraty até pouco tempo atrás.

Trump, por sua vez, é inegavelmente obcecado por alcançar vitórias para o seu país no campo externo. Pode até tentar apelar para a proximidade ideológica nesse processo, mas não se prende a ela. Faz sentido criticá-lo pelos métodos e pela maneira tosca com que muitas vezes comunica suas intenções. Também é válido questionar se o que ele quer é de fato o melhor para os Estados Unidos no longo prazo. Mas não há dúvida que ele tem uma visão muito concreta do que pretende alcançar, ainda que o caminho que ele percorre pareça tortuoso e imprevisível.

Uma prova disso é a política externa americana para a China. Há riscos severos embutidos nas medidas adotadas por Trump em relação ao país asiático, inclusive com impactos para o resto do mundo e para o Brasil — como já se sentiu com a guerra tarifária entre os dois países nos últimos meses. Mas, em pelo menos três temas, Trump parte de premissas corretas para suas políticas. Se as estratégias que ele adotou para enfrentá-las levarão ao resultado esperado, é algo ainda em aberto. A elas:

Política comercial

Trump está certo quando diz que a China passou os últimos anos valendo-se de métodos espúrios para crescer no comércio global. Um deles foi manter a moeda chinesa artificialmente desvalorizada em relação ao dólar (os Estados Unidos poderiam ter contra-atacado desvalorizando a própria moeda, mas não o fizeram por pressão de multinacionais americanas que se beneficiam com as importações baratas e com a internacionalização da produção).

Os chineses também se valeram da esperteza para deixar de serem apenas exportadores de bens de consumo baratos, passando a produzir e exportar itens com maior valor agregado. Só que isso foi feito por meio de cópia, de pirataria industrial, de roubo de propriedade intelectual.

Durante anos, os governos americanos adotaram uma postura leniente com a política comercial da China, acreditando que com a inserção do país nos mecanismos de arbitragem (com o reconhecimento como economia de mercado junto à OMC, por exemplo), as práticas desviantes seriam naturalmente corrigidas. Não foram.

Trump, então, resolveu recorrer à força econômica que seu país ainda tem como maior mercado consumidor do mundo e tratou de obter concessões da China por meio da chantagem, ou seja, impondo tarifas a produtos chineses.

As negociações para encontrar um equilíbrio que agrade a Trump estão em andamento e ainda devem durar muito. Já houve uma primeira rodada, com acertos pontuais. Para o mundo, resta prender a respiração, pois a guerra tarifária obviamente traz incertezas e tende a reduzir o volume do comércio global. Mas, do ponto de vista de Trump, o que ele está buscando, ponto a ponto, são vantagens para os produtores americanos. Esse é o seu foco.

A geopolítica do 5G

A China é a segunda maior economia do mundo e a projeção é que se tornará a primeira colocada, superando os Estados Unidos, em 2030. Trump resolveu enfrentar de frente a ascensão da China. É isso que está em jogo na guerra comercial e também em outra frente de combate, a predominância tecnológica nas telecomunicações.

Atualmente, os três principais atores no desenvolvimento da próxima geração de redes sem fio, o 5G, são as empresas europeias Nokia e Ericsson e a chinesa Huawei. A questão é que, comparada às duas concorrentes, os preços do 5G que a Huawei oferece aos provedores de banda larga sem fim são imbatíveis.

Por isso, a pressão exercida pelos Estados Unidos sobre os aliados para que vetem a entrada da tecnologia da Huawei em suas redes móveis tem dado com os burros n'água. Os governos europeus têm tomado decisões que não excluem a Huawei do processo. Até Boris Johnson, o premiê britânico que compartilha de muitas das visões políticas de Trump, aceitou uma participação minoritária da empresa chinesa na rede 5G do Reino Unido.

No Brasil, o leilão da tecnologia 5G deve ocorrer em novembro ou dezembro deste ano e a decisão sobre permissão ou não para que a Huawei participe está nas mãos do general Augusto Heleno, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). A pressão dos americanos sobre o Brasil, nesse ponto, também é grande.

O argumento do governo americano para que a Huawei seja impedida de fornecer tecnologia para as redes 5G dos aliados sustenta-se no temor de ciberespionagem. Ou seja, ao controlar as comunicações em outros países, os chineses poderiam usar os equipamentos para violar a privacidade de cidadãos do Ocidente, espionar órgãos oficiais e até cortar serviços essenciais no caso de uma guerra.

Tem cheiro de teoria da conspiração, mas a história da espionagem dos próprios americanos mostra que isso é bastante factível. Na semana passada, por exemplo, vieram à tona os detalhes de como uma empresa suíça de equipamentos de criptografia, que na verdade pertencia à CIA, foi usada para que o governo americano tivesse acesso às comunicações dos países que adquiriram essa tecnologia durante o período da Guerra Fria, inclusive o Brasil e outras nações latino-americanas.

O predomínio da tecnologia 5G é, atualmente, o principal campo de batalha geopolítico entre os Estado Unidos e a China na disputa pelo posto de superpotência. O governo Trump estava certo em identificá-lo como um foco de preocupação e de agir para enfrentá-lo (inclusive proibindo a venda de chips americanos para a Huawei). Mas essa é uma batalha que caminha para a derrota.

Propaganda chinesa

Na semana passada, o governo americano anunciou que órgãos de imprensa chineses com atuação nos Estados Unidos serão tratados como entidades governamentais, ou seja, submetidas às mesmas regras que representações diplomáticas.

A decisão impacta pouco na capacidade das agências de notícias chinesas de divulgar conteúdo livremente nos Estados Unidos, mas permitirá às autoridades americanas saberem quem está trabalhando nessas atividades e sinaliza que, para Trump, o que elas fazem é propaganda estatal, não jornalismo.

Não deixa de ser verdade. Todos os veículos de comunicação afetados pela decisão são estatais e obedecem aos ditames do Partido Comunista Chinês. Pequim retaliou expulsando três correspondentes do jornal The Wall Street Journal que haviam feito uma reportagem crítica à economia chinesa.

O episódio serve para nos lembrar que a China é uma ditadura que exerce um controle totalitário sobre os seus cidadãos (esse é o desejo de toda ditadura, mas algumas, muito chinfrins, não conseguem).

A perspectiva de que esse Estado totalitário, ainda que bem enfronhado no sistema capitalista, venha a assumir domínio econômico, tecnológico e político no mundo merece ser discutida e enfrentada sem hipocrisia.

Dizer isso não é ser contra o povo chinês. Ao contrário, é ser a favor dele e esperar que, se um dia a China se tornar a maior potência mundial, que seja sob um sistema democrático, com respeito às liberdades individuais.


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