Cento e oitenta mil brasileiros já morreram em decorrência da covid-19, síndrome respiratória causada pelo novo coronavírus. Cento e oitenta mil mortos e o governo federal ainda não sabe exatamente quando começará a imunizar a população, apesar de já existir vacina comprovadamente eficaz e segura, que cumpriu todas as etapas de testes clínicos e foi aprovada pelas agências regulatórias do Reino Unido e dos Estados Unidos. No Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19 —claramente enviado às pressas pelo Ministério da Saúde para o Supremo Tribunal Federal (STF), pois os técnicos que ajudaram a elaborá-lo sequer tiveram chance de ler a versão final — não há uma data prevista para o início da vacinação e, o que é pior, não define quem vai implementá-la (há uma menção discreta que joga o planejamento nas costas de estados e municípios). São 180 mil mortos por covid-19 em menos de um ano, seis vezes mais do que o número de brasileiros que morreram em acidentes de trânsito em 2019.
Cento e oitenta mil mortos e foi preciso que um governador marqueteiro (João Doria) anunciasse que pretende vacinar os habitantes de São Paulo em janeiro, antecipando-se ao governo federal, para que finalmente um arremedo de Plano Nacional de Imunização saísse da cartola. São 180 mil mortos, quatro vezes mais do que a média anual de mortos na guerra civil da Síria.
Cento e oitenta mil mortos e o governo Jair Bolsonaro tenta jogar água no chope da vacina paulista, que foi desenvolvida por laboratório chinês e está sendo testada no Instituto Butantan, com o argumento de que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) precisará de 60 dias para aprovar o imunizante. No ritmo atual de mortes, até lá mais de 40.000 brasileiros perderão suas vidas para a doença. Nos Estados Unidos, em contraste, um painel de especialistas levou 20 dias para analisar o pedido para autorização emergencial da vacina da Pfizer. Com o sinal verde desses técnicos, a FDA (Food and Drug Administration, a equivalente americana da Anvisa) emitiu a aprovação em apenas dois dias.
Em sua campanha vitoriosa para a presidência da República, Bolsonaro prometeu desburocratizar a máquina pública. Mas, em uma questão de vida ou morte para os brasileiros, seu governo se apega à burocracia. Subterfúgios técnicos ou legais não valem aqui: a Lei 14.006/2020, assinada pelo próprio Bolsonaro em maio passado, determina que a Anvisa autorize a importação e a distribuição de quaisquer materiais de saúde que tenham sido aprovados por determinadas agências internacionais, entre as quais a FDA. Não há motivo para esperar 60 dias. São 180 mil mortos até agora, o equivalente a dizimar todos os habitantes de Jaraguá do Sul, oitavo município mais populoso de Santa Catarina.
Cento e oitenta mil mortos e o governo Bolsonaro não conseguiu demonstrar competência em gerenciar uma das únicas medidas unânimes contra a pandemia. Bolsonaro e meia dúzia de médicos negacionistas foram contra as restrições a atividades não essenciais e à promoção do distanciamento social. Bolsonaro e meia dúzia de terraplanistas acharam uma boa ideia gastar o dinheiro dos contribuintes com remédios, agora encalhados, sem efeito algum contra covid-19.
Mas ninguém, nem dentro do governo federal, negava que o desenvolvimento de vacinas seria o caminho para a volta à normalidade. Tanto é assim que em junho o Ministério da Saúde tratou de fazer um acordo para dispor da vacina que vinha sendo desenvolvida pelo laboratório AstraZeneca. Mas o governo apostou quase todas as suas fichas em uma única promessa. Em um consórcio internacional para compra de vacinas, por exemplo, limitou-se a garantir doses para 10% da população brasileira, quando podia ter optado por um cobertura de 50%. No início de novembro, dispensou proposta para assegurar a vacina da Pfizer porque seria caro e complicado fazer o transporte em baixas temperaturas. E recusava-se até ontem (literalmente, até este sábado 12) a incluir a Coronavac, a vacina chinesa que está sendo testada em São Paulo, entre as alternativas.
Enquanto isso, 53% das doses das vacinas mais promissoras já estão destinadas, por contrato, aos países ricos. O governo brasileiro está atrás até em comparação com outros países em desenvolvimento. Chile e Peru, por exemplo, já garantiram o fornecimento de mais doses por habitante do que o Brasil.
São 180 mil mortos por covid-19 no Brasil, 35% mais do que os óbitos por doenças cardíacas em 2019, até então a principal causa de morte no país.
Cento e oitenta mil mortos e o governo federal está repetindo o erro do início da pandemia, quando se absteve de liderar o país na adoção de medidas duras, mas necessárias, para conter o massacre provocado pela doença. Bolsonaro dizia que pessoas iam morrer, "fazer o quê", e reclamava de um impacto econômico que, conforme ficou comprovado no Brasil e em outros países, viria de qualquer jeito. O governo federal, então, eximiu-se de qualquer responsabilidade e jogou para governadores e prefeitos o ônus de adotar medidas impopulares.
Sem liderança nacional, o país se viu diante de uma gestão descoordenada da pandemia. O resultado foi um nível de distanciamento social meia-boca que fez com que tivéssemos um longuíssimo platô de contaminações e mortes. Agora, mais uma vez, Bolsonaro se abstém de liderar o país rumo a uma campanha de vacinação bem sucedida. Em vez disso, dá declarações que põem em dúvida a segurança das vacinas, minando os esforços que seu próprio governo deveria promover. A falta de coordenação levou governadores a procurar o governo paulista para adquirir a vacina chinesa ou a recorrer ao STF para garantir o direito de obter imunizantes aprovados em outros países.
Já são 180 mil mortos, o equivalente a 163 vezes o número de pessoas que faleceram por complicações causadas pela gripe comum em 2019. Não é uma gripezinha, mas já tem vacina. Só o governo de Jair Bolsonaro demorou para ver.
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