A Argentina enfrenta um momento dramático de agravamento da pandemia, o que fez o presidente Alberto Fernández anunciar nove dias de medidas mais rígidas de restrições à circulação das pessoas. No último dia 11 de maio, o país ultrapassou o Brasil em número de mortos por covid-19 em proporção à população. E, enquanto por aqui o índice caiu lentamente, lá continua subindo. Na quinta-feira (20), segundo dados da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, a Argentina registrou uma média de 10,89 óbitos por milhão de habitantes, enquanto no Brasil a taxa foi de 9,19. Para entender as políticas para conter a pandemia na Argentina e seus impactos podemos usar como marco o velório de Maradona, o jogador ídolo dos argentinos que faleceu em 25 de novembro do ano passado.
Quando Diego Maradona morreu, a Argentina estava há quase oito meses sob confinamento para conter a disseminação do vírus. O número de novos casos diários estava caindo drasticamente. No auge, em 21 de outubro, 333 a cada 1 milhão de argentinos estavam sendo contaminados diariamente, na média de sete dias. No dia da morte de Maradona, o número estava em 161, menos da metade, portanto.
No dia 26 de novembro, foi realizado o velório de Maradona. Alberto Fernández não resistiu à tentação de fazer uso político do evento. Foi decretado três dias de luto oficial e o caixão do craque foi colocada no interior da Casa Rosada, a sede do Executivo argentino, para que os fãs pudessem fazer a despedida, depois de enfrentar uma longa fila.
Centenas de milhares de pessoas se amontoaram na Praça de Maio e nas ruas adjacentes, com suas camisas da seleção e bandeiras da Argentina, cantando, chorando e se abraçando. Um senhor de 79 anos declarou em entrevista à Bloomberg, uma agência de notícias americana: "Eu não me importo de morrer. Eu amava Diego e o tenho na minha alma."
A necrofilia política transformou-se em necropolítica. Um infectologista que integrava um grupo médico responsável por assessorar o governo argentino alertou que as aglomerações no velório de Maradona "trariam um aumento de casos" e atrapalhariam os esforços para "atrasar a chegada de uma segunda onda".
Não deu outra. Quinze dias depois do velório de Maradona, o número de novos casos diários por covid voltou a crescer. A segunda onda havia sido antecipada. No final de dezembro, a média era de 195 novos casos diários por milhão de habitantes. Em 11 de janeiro, chegou a 259 contaminados por milhão por dia.
Depois de um período de queda entre fevereiro e março, o número voltou a subir com ainda maior rapidez. No último dia 20, a média foi de 648 novos casos diários por milhão, mais que o dobro do registrado no Brasil.
A proporção de vacinados com a primeira dose contra covid-19 na Argentina é semelhante à brasileira: cerca de 20% da população. A Sputnik V e a CoronaVac são as principais vacinas sendo aplicadas no país vizinho. No Brasil, as mais disponíveis são a CoronaVac e a Astrazeneca.
O velório de Maradona ensina que evitar aglomerações é uma medida efetiva para conter a disseminação do novo coronavírus — o que deveria ser óbvio, mas é preciso reafirmar de tempos em tempos. E ensina, também, que o zelo das autoridades argentinas na aplicação de medidas restritivas para salvar vidas depende das conveniências — vale só até surgir a oportunidade de capitalizar politicamente em cima de eventos que causam grande comoção popular.
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