Em março passado, a Lava Jato completou seis anos. Neste período, a operação estampou capas de jornais, de revistas e foi assunto contínuo na televisão, no rádio e em outros meios de comunicação. Há razão de ser. Pela primeira vez em nossa história, a atuação conjunta de Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário conseguiu destrinchar uma teia de esquemas de corrupção e influência praticados há décadas em nosso país, que assaltaram os cofres públicos e que mantinham uma estrutura de poder engenhosamente blindada da Justiça.
Não vamos nos enganar, não fosse a conjuntura que reuniu um determinado grupo de procuradores, delegados e juízes, é muito provável que tudo tivesse passado para a história apenas como um esquema de lavagem de dinheiro em um posto de gasolina qualquer, em manchetes encerradas em notas curtas nos jornais.
Em mais de 70 fases, a operação alcançou a condenação de centenas de criminosos e conseguiu devolver ao tesouro parte dos valores roubados. As investigações ramificaram-se em dezenas de outras, revelando uma rede interminável de conexões constituídas para assaltarem o bolso do cidadão. Daí que, por óbvio, a prisão de figurões da república, outrora intocáveis, tenha conferido prestígio às ações e alta aprovação popular.
A Lava Jato mexeu com o ápice do poder e, como toda ação, sofre agora uma reação daqueles interessados em anular o seu legado.
Seu fim é uma demanda natural de certos grupos políticos, pois, mais que uma força-tarefa contra a corrupção, a Lava Jato é um símbolo nacional de luta contra a impunidade e o patrimonialismo. Partidos tradicionais envolvidos no escândalo da Petrobras, como PT, PMDB e PP, além de diversos membros do Centrão, alvejam sistematicamente a operação desde que as investigações chegaram às suas cúpulas, procurando de todas as formas desmoralizá-la e questionar seus meios.
Mais recentemente, entretanto, estes críticos, a maioria investigados, réus e condenados na Justiça, parecem estar ganhando aliados muito inesperados: políticos que se elegeram em 2018 justamente sob a bandeira da Lava Jato e do combate à corrupção.
Desde sua saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o ex-juiz Sergio Moro, principal ícone da Lava Jato e elencado pelo PT como inimigo número um de Lula, agora tem sido excomungado também por bolsonaristas e aliados do governo, que o consideram um traidor por não aceitar as interferências do Presidente da República no comando da Polícia Federal.
Sobrou também para Deltan Dallagnol, o procurador federal e coordenador da Lava Jato em Curitiba tem sido alvo de diversas representações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), presidido por Augusto Aras, Procurador-Geral da República indicado por Jair Bolsonaro, e que recentemente proferiu declarações insinuando que atuará para que a continuação do modelo de combate a corrupção instaurado pela força-tarefa, ou aquilo que ele chamou de lavajatismo, “não perdure”.
Essa união improvável de frentes até então adversárias pode colocar em xeque tudo o que foi construído até agora, minar a credibilidade das nossas instituições e desmantelar qualquer possibilidade de futuras operações.
É claro que diversas outras medidas precisam ser tomadas para reduzirmos a corrupção em nosso país, como o fim do foro privilegiado, uma legislação penal mais rigorosa, sobretudo com prisão em segunda instância, a autonomia da Polícia Federal, e a redução do poder dos políticos – com privatizações, instituições fortes e muito menos burocracia. Mas a falta de apoio e respeito dos poderes à maior operação anticorrupção da nossa história é uma péssima sinalização.
É dever de todo brasileiro que quer um Brasil sem corrupção e impunidade fazer a sua parte, defender a Lava Jato e exigir o mesmo dos seus políticos, especialmente aqueles que foram eleitos com essa bandeira.
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