Dois dias de CPI da Covid. Dois dias que revelam a nossa miséria. Ontem, terça, a advogada Bruna Morato, representante dos médicos da Prevent Senior, detalhou toda a desgraça por que passaram os pacientes do plano de saúde. Até então, ninguém conhecia Bruna. Se tudo o que ela disse for verdade, há uma penca de crimes a serem investigados e seu depoimento torna-se o mais impactante desde o início dos trabalhos da Comissão. Hoje, quarta, enquanto escrevo esta coluna, depõe Luciano Hang. Todos conhecem Hang. Todos sabem que ele anda na garupa de Bolsonaro. Dois depoimentos que escancaram, de um lado, a face mórbida e criminosa, e, de outro, o espírito de picadeiro que se assentaram no governo.
Falemos primeiro da parte mórbida. Bruna Morato representa 12 médicos da Prevent Senior. Dentre suas revelações, disse que os donos da empresa estavam despreocupados quanto à fiscalização do Ministério da Saúde, vez que mantinham boa relação com o que se convencionou chamar “gabinete paralelo”. Médicos e enfermeiros eram obrigados a trabalhar mesmo infectados pelo coronavírus. O plano de saúde atuou em parceria com o governo federal para divulgar e recomendar o tratamento precoce sem que este tivesse qualquer comprovação e eficácia. Pacientes na UTI, com 14 dias de internação, tiveram propositalmente seu oxigênio reduzido.
O caso macabro gerou comparações com a crueldade de outros regimes. Trofim Lysenko, biólogo e agrônomo soviético, defendia a submissão total da ciência - incluindo a biologia - à ideologia do marxismo, e logo caiu nas graças da cúpula do Partido Comunista. Sob seu comando, a agricultura soviética adotou novas práticas alternativas (e ineficazes). O resultado? Milhões de mortos de fome nos anos 30. Quando a ideologia fala mais alto que a ciência, os dados são manipulados e os opositores silenciados. O que aconteceu na Prevent Senior, com o aval e a garantia do governo, segue o mesmo princípio: o tratamento precoce precisa funcionar para a economia não parar. A depoente encerrou sua fala com uma frase que bem resume o caráter de quem colocou a vida abaixo da política: “óbito também é alta”.
Agora, o circo. Mais cedo, o relator Renan Calheiros classificou Hang de bobo da corte. Vocês podem inferir qual rei ele tenta entreter. Se o objetivo da comissão era capturar audiência, conseguiu. Nesse quesito, a fala de Hang foi um sucesso tanto para o depoente quanto para os parlamentares. Hang conseguiu até marketing gratuito, já que iniciou sua fala com uma propaganda da própria loja. De resto, aquela típica troca de ofensas ao estilo do Programa do Ratinho e questionamentos sobre questões irrelevantes ou, se relevantes, que devem ser apuradas pela polícia e pelo ministério público, como é o caso da possível falsificação de atestados de óbito ou do patrocínio de sites responsáveis pela propagação de fake news. No cafezinho, Hang e Calheiros papearam sobre amenidades, como a expansão dos negócios do catarinense em Alagoas.
É nesse cenário que o governo de Bolsonaro completa mil dias. Não se sabe exatamente o quê, mas Bolsonaro quer comemorar. Os depoimentos de Morato e Hang desnudam ainda mais as mentes que controlam o nosso destino e tomam decisões que impactam diretamente a nossa sobrevivência. Ou nossa morte. São mil dias de desrespeito à vida, desorganização, amadorismo, falta de bom senso e ausência de projetos para fazer o País crescer. Nos mil dias de Bolsonaro, o ridículo e o mórbido embaralharam-se como nunca antes neste país.
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