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Eduardo Ribeiro

Eduardo Ribeiro

Análise

Sobre répteis e outros bichos

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O estelião é um lagarto que tem manchas no dorso parecidas com estrelas. Ele é capaz de mudar de cor para enganar presas e predadores, como tantos na família dos répteis. Por analogia, essa habilidade foi tratada como fraude ou ardil para ludibriar as pessoas, daí que o estelião tenha emprestado seu nome e passado ao idioma como estelionato. A associação entre o tipo penal e o comportamento de um candidato pré e pós eleições nos forneceu a justa adjetivação para quem quer tirar vantagem das expectativas alheias: estelionatário eleitoral.

A histórica da política brasileira registra pela primeira vez o uso da expressão estelionato eleitoral nos anos 1980, em homenagem às desventuras de José Sarney e seu espírito lúdico no combate à inflação. À época, parecia engenhoso congelar preços e mandar a polícia federal ao pasto para apreender gado. O então presidente segurou o tabelamento do valor dos produtos até o day-after da eleição dos governadores, em 1986, e isso deu muito resultado, vez que o MDB elegeu 21 dos 22 governadores. Mais recentemente, a acusação mirou a campanha de 2014 de Dilma à reeleição. A máquina petista de destruir reputações dominou o jogo e, reeleita, Dilma fez tudo aquilo de que acusava os adversários. Assim revela-se o estelionato eleitoral: prometer uma coisa em campanha e entregar o exato oposto após eleito. Um jeito rastejante de vencer.

Jair Bolsonaro foi eleito com uma plataforma econômica liberal, de estímulo às privatizações, austeridade fiscal, repúdio às negociatas e à velha política (pois é!), tecnicidade nas indicações para ministérios e entes públicos, combate à corrupção etc. Até agora, Jair Bolsonaro entregou o fim da Lava Jato, a interferência na Polícia Federal e na ABIN, o casamento com o Centrão, o abandono das privatizações, declarações constrangedoras sobre a política de preços da Petrobras, a nomeação de um ministro do STF sem convicção pela prisão em segunda instância, o completo descaso com a qualidade de quadros indicados para alguns ministérios, a militarização do governo, mas, sobretudo, ele revela disposição diuturna contra a saúde das pessoas ao lidar de maneira indigente face à pandemia. Onde está o candidato que dizia também defender a vida do cidadão de bem?

Nesse sentido, a atuação do Ministério da Saúde é didática. Ao defenestrar Mandetta e esculhambar Teich, Bolsonaro optou pela troca de comando em meio à batalha e, destaque-se, alçou a ministro alguém sem conhecimento e capacidade para sê-lo. Praticamente todas as escolhas de Pazuello estão equivocadas. E o equívoco de Bolsonaro foi escolher Pazuello para tentar debelar o maior problema sanitário de que se tem notícia. Não há vacinas, não há respeito pela vida, não há plano para nos acordar deste pesadelo.

Desde cedo, Bolsonaro age com populismo barato ao escorar-se em decisão do STF que possibilitou aos prefeitos e governadores decidirem por medidas amargas, mas por vezes inevitáveis, para conter a propagação do vírus em momentos de saturação e colapso do sistema de saúde. Critica-os publicamente, não admite responsabilidade compartilhada, faz pouco caso de cuidados importantes como o uso de máscaras e estimula aglomerações desnecessárias. Insiste na errônea dicotomia entre saúde e economia, negligenciando de forma absolutamente temerária a negociação e aquisição de vacinas, única solução definitiva para a crise que estamos vivendo.

O governo furta-se às suas responsabilidades e joga a população numa equação cruel em seu paradoxo, em que o isolamento social é replicado ad eternum por autoridades locais e o poder federal brinca de planejar a solução do longínquo Palácio do Planalto, fingindo se importar com as dores da sociedade enquanto conta votos e mentiras para 2022. Bolsonaro zombou da qualidade das vacinas e ameaçou com seus possíveis efeitos colaterais, mas agora sabemos que, entre os répteis, é melhor virar jacaré do que ser estelião.

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