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A adolescência enquanto projeção social

(Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo) (Foto: )
(Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)

(Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)

Resolvendo algumas coisas em uma loja de produtos elétricos, pude conversar um pouco com dois adolescentes, provavelmente na idade de Ensino Médio – funcionários da loja. Os dois muito competentes, simpáticos e agradáveis. Diante deste simples encontro, gostaria de refletir brevemente sobre alguns estereótipos que intentam a classificar a conduta dos adolescentes, mas nem sempre são ajustáveis ou fazem sentido para estes sujeitos em formação, precisamente por espelharem relações de poder entre gerações e grupos sociais.

Por exemplo: muitos jovens não se identificam com o rótulo do adolescente cuca fresca, que só estuda e não precisa ralar pra ajudar a família e pagar contas. Essa imagem é em verdade um padrão de vida típico das camadas médias e representa modelos de educação, trabalho e sociabilidade exclusivos e também excludentes, se falamos em termos de legitimidade social. Uma categoria dinâmica e fundamental para pensarmos no aspecto institucional da vida e na produção de subjetividades, o trabalho é também visto como um espaço onde a responsabilidade é um valor fundamental, porém de modo mais sério que na escola, que seria algo como um treino para a vida adulta.

Perguntando por aí nas escolas públicas é rápido perceber que um número bastante expressivo de adolescentes dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio estão presentes no mercado de trabalho. Como ajudantes de seus pais em algum pequeno negócio ou comércio, como atendentes de redes de fast-food, como funcionários em diversos supermercados, recepcionistas, atendentes e outras tantas funções. Empregos medianos, se comparados com os títulos dos filhos das classes médias, que são engenheiros, médicos, dentistas, advogados.

Se há tantos adolescentes trabalhando com responsabilidade e construindo seu espaço e sua trajetória, por que insistimos em julgar que todos os jovens são promíscuos, irresponsáveis, drogados, levianos, vulneráveis, criminosos, politicamente alienados e excessivamente individualistas? Lidar com todos esses estereótipos possíveis de serem internalizados não é fácil, num cenário de referências múltiplas, fragmentadas e muitas vezes antagônicas. E o mais curioso elemento nessa trama de símbolos e significados culturais, é que vivemos no seio de uma constante mensagem de jovialidade, algo nos diz que “queremos ser jovens pra sempre”. Quem sabe seja uma maneira de esquecer e tornar inconsciente que todos vamos envelhecer e morrer – isso para aqueles que chegarão à maturidade, levando em conta os índices altíssimos de mortalidade na juventude das periferias brasileiras, especialmente dos jovens negros. Que violência é esta que tão invisibilizada? “Banalizada” ou “estruturante” como chama o sociólogo Julio Waiselfisz, porque conta em grande medida com a conivência e silêncio de setores mais empoderados da sociedade (os pais dos futuros engenheiros, médicos e advogados, talvez).

Não deve então ser nenhuma surpresa, num contexto prolixo e por vezes nada receptivo com os mais jovens, que o pico estatístico de mortes violentas (homicídios, acidentes de trânsito e suicídios) fica entre os 15 a 24 anos de idade nos casos de homicídio no Brasil. Ou então que 23,8% dos jovens brasileiros de 18 a 29 anos em 2006 não estudavam e nem trabalhavam de acordo com o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), índice retirado do texto de Elisa Guaraná de Castro no livro Diferenças, Igualdade (São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2009). Diante do vislumbre de tal conjectura, é urgente perguntar: quem são nossos adolescentes e jovens? O que pensam sobre o presente e o que esperam do futuro?

Por ocasião de um curso voltado para Direitos Humanos com adolescentes do Ensino Médio do Colégio Estadual Ângelo Volpato, em Curitiba, conversei com alunos sobre o que esperam e fazem pra atingir metas e projetos de vida. Algumas respostas a esta provocação simples mostram sobretudo um desejo de caminhar por si mesmos, ter mais autonomia, ganhar suas próprias vidas. É evidente para qualquer adolescente que ele precisa crescer, valorizar a escola, encontrar-se no mundo de trabalho. Como escreveu uma aluna: “Nós não queremos nem mais nem menos, tudo o que queremos é viver com dignidade”, não é óbvio por demais? Então por que tantos estereótipos pesados e desnorteadores? Por que o adolescente ocupa todos esses assentos simbólicos? Seria ele alvo de nossos desejos proibidos?

Como diz a psicanalista Maria Rita Kehl, o lugar do adulto na nossa sociedade está desocupado e isso cria um hiato e um descompasso vivido com muita angústia pelos mais jovens. Crescer nunca é uma tarefa fácil. É uma busca, um caminho, um processo que deixa consigo uma série de traços. Claro, a rebeldia, a transgressão ao que o mundo adulto representa e faz é estruturante da personalidade de todos os indivíduos, senão seríamos sempre iguais aos nossos progenitores. Mas precisamos nos perguntar sobre o outro lado: a identificação, a admiração, o direcionamento a certos modelos morais que nos atraem. O que ensinamos aos nossos filhos e alunos jovens? E que bagagem projetamos sobre os mesmos? Presumimos muitas vezes que todos os adolescentes são idênticos e não querem “nada com nada”, como diz o jargão. Acredito que reconhecimento e confiança inter-geracional são pilares para a reinvenção das relações geracionais, que incluem todas as chamadas fases da vida (infância, juventude, vida adulta e velhice) – questionando e renegociando também fronteiras de classe, gênero e raça. E, sobretudo, precisamos ir ao encontro de uma saída coletiva e não mais perpetrar imagens em que um grupo social sirva como conveniente depósito de culpa por problemas sociais que são tão antigos quanto o Brasil. Está mesmo na hora de crescermos.

>> Mariana Corrêa de Azevedo é doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná e graduada em Ciências Sociais pela mesma universidade. Atua no Instituto Não-Violência

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