Há muito mais na vida a se aprender, a ensinar e a se deixar como legado do que notas perfeitas nos boletins.
No final do ano passado fui a duas formaturas de ensino fundamental. E hoje elas acontecem em algumas escolas particulares com toda pompa, antes comum apenas em colação de grau universitário. Enfim, novos tempos em que assistimos adolescentes de 13, 14 anos vestidos de gala para receber seu certificado de conclusão do nono ano. Mas a intenção deste artigo não é me aprofundar nesse assunto, afinal se estamos em uma era em que muitos aniversários de criança custam o mesmo que um casamento de 20 anos atrás, talvez seja essa a maneira encontrada por escolas para encantar os pais e garantir matrículas para o ensino médio.
Bem, o que quero mesmo é trazer à luz uma reflexão sobre as premiações que essas mesmas escolas atualmente concedem a seus alunos ao final de cada ciclo ou ao longo da vida do fundamental. Nas duas formaturas que tive a oportunidade de testemunhar, as diretorias das escolas premiaram alunos que conquistaram notas muito altas e também destacaram algumas equipes esportivas, como um time de basquete ou uma equipe de ginástica, que venceram algum torneio local ou estadual, as quais foram nomeadas durante o evento com certificado e felicitações. Justo. Mas premiados mesmo foram apenas seis alunos (três de cada escola) que, imagino, provavelmente obtiveram notas entre 9,75 e 10,0, pois foram os únicos em um total de aproximadamente 300 “formandos” que receberam prêmios e bolsas de estudo para o ensino médio no próximo ano. Bolsa integral foi concedida a um único aluno, que obteve as medias mais altas em todos os anos. Fiquei imaginando qual teria sido a media dele. 10,2?
É claro que essa prática não é exclusividade dessas duas escolas. O que relatei nada mais é do que uma prática muito antiga da chamada instituição escola, que permanece nos dias atuais e que, habitualmente, premia apenas alunos que atingem pontuação próxima da perfeição. É a supervalorização da nota pelo sistema de ensino e pela sociedade, por meio de PROVAS e EXAMES que, ao final do processo, pouco influenciarão o desenvolvimento humano, emocional e comportamental de crianças e jovens. Que fique claro que não sou contra premiar crianças e jovens por suas notas altas, seu esforço e sua capacidade para “tirar de letra” provas e exames curriculares. Aliás, acredito na meritocracia e sem dúvida alguma ela deve ser estimulada na escola e no trabalho. Mas a tal nota à qual nos acostumamos na escola, pode revelar que esses felizardos têm facilidade, talento ou capacidade acima da média em algumas áreas de conhecimento, mas também pode significar que são apenas excelentes em passar nos exames. Nada mais.
Sou a favor das premiações, mas sou contra premiações a apenas um caminho, uma habilidade, uma criança. Sou a favor das premiações por mérito, por esforço, por tentativa, por experiência, por ousadia, que valorizem a diversidade dos seres humanos que ali estão. Que valorizarem as muitas inteligências e capacidades. Da matemática nota 10 à capacidade de comunicação nota 10. Da ciência ao teatro. Da língua às artes.
Acho injusto e pequeno um sistema de ensino, que abriga tamanha diversidade humana, premiar apenas um aluno talentoso por passar em exames, enquanto tantos outros talentos são preteridos e não podem sequer almejar prêmios, pois suas inteligências e habilidades não estão entre aquelas que são dignas de premiações e bolsas de estudo. Um desperdício imperdoável de talentos, no qual a escola perde a oportunidade de identificar e valorizar cada jovem que ali está, para que encontrem seus canais de expressão, talentos, forças e oportunidades. E de permitir que todos eles possam sonhar com premiações, bolsas de estudo e reconhecimento, de acordo com suas próprias capacidades. Podemos premiar crianças e jovens por seus esforços e conquistas. Mas valorizemos primeiramente o ser humano, e não a nota.
Os alunos que criam algo novo não deveriam receber um prêmio? E os alunos que empreendem em projetos inusitados? Os que gostam de política e se engajam em trabalhos comunitários fora da escola, não deveriam concorrer a bolsas de estudo? Aqueles que têm na generosidade e espírito de colaboração suas maiores virtudes, não deveriam ser valorizados? E os inventores? Os que organizam clubes de ciência. Os que se destacam em tecnologia. E aqueles que se esforçam e se apresentam com brilhantismo no palco, e no teatro? Nada? O aluno curioso, que se envolve em causas sociais e ambientais. E o estudante artista que se destaca nas feiras de arte? O músico que se expõe ao se apresentar nos festivais estudantis. E o aluno questionador, que inova? Valorizar de forma exagerada a nota como o elemento único para garantir sucesso profissional e pessoal de crianças e jovens é arriscado, perigoso e também irresponsável por parte da escola. Pois podem criar ilusão de que para enfrentar o mundo lá fora basta continuar a tirar suas notas 10, e pouco estimulam a maioria das crianças e jovens que também possui talentos, competências e capacidades, porém diferentes daquelas valorizadas nas formaturas.
Dias atrás troquei mensagens com uma amiga que atualmente está vivendo na Austrália, com marido e filhos pequenos. Em um dos meus posts sobre educação ela fez comentários e trocamos ideias a respeito desse tema. O seu relato me encheu de esperança, de que há realmente uma revolução acontecendo na educação mundial. Ela comenta que na escola de seus filhos, as crianças são valorizadas essencialmente pelo esforço, o tempo todo. Porém, o esforço amplo que pode vir de qualquer um, qualquer lugar, qualquer área de conhecimento ou até mesmo de projetos pessoais. A Sabrina, sua filha, no primeiro mês de aula ganhou um certificado de “Coragem” na natação, por ter superado o medo e se destacado. No final de todo semestre escolar, os estudantes são parabenizados em uma cerimônia muito simples, sem a pompa exagerada e desnecessária das escolas brasileiras, com entrega de outro certificado o “Student of Good Standing” por terem cumprido seus deveres, chegado no horário, colaborado com os colegas, com professores e participado da aula com entusiasmo em aprender. Crianças valorizadas pelo esforço, pela coragem e pela tentativa já é uma grande evolução em relação ao que costumamos ver na velha escola. Se estamos em uma era que exige mais colaboração do que competição, mais versatilidade do que especialização, e mais inovação do que convicção, é preciso que a valorização seja diversa e democrática. Afinal, há muito mais na vida a se aprender, a se ensinar e a se deixar como legado, do que notas perfeitas em boletins.
*Artigo escrito por Jean Sigel, especialista em Marketing, Comunicação e Inovação, e co-fundador da Escola de Criatividade. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.
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