Em fevereiro deste ano, a jornalista Maria Júlia Coutinho, mais conhecida como Maju, estreou no Jornal Nacional como a primeira mulher negra na bancada do noticiário, o mais importante da Rede Globo. O programa está completando 50 anos.
No entanto, antes de ocupar tal posto de destaque, gerando uma discussão nacional sobre a representatividade na televisão aberta, a apresentadora foi vítima de crime de ódio quando internautas publicaram uma série de comentários racistas e machistas em uma foto sua nas redes sociais. Na ocasião, em 2015, Maju apresentava a previsão do tempo na mesma atração jornalística.
As manifestações provocaram indignação e os responsáveis sofreram as consequências. Quase um ano após a ocorrência, a Justiça de São Paulo aceitou a denúncia do Ministério Público (MP) contra quatro homens acusados de planejar e executar ataques à jornalista. O grupo virou réu pelos crimes de racismo, injúria, falsidade ideológica, corrupção de menores e associação criminosa na internet.
Apesar do caso ter sido levado à Justiça, esses incidentes cruéis estão se tornando cada vez mais comuns. Um levantamento feito pela pesquisadora Adriana Dias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostrou que a cada oito segundos uma postagem em português é publicada no Twitter com palavras de ódio contra negros, judeus, nordestinos, pessoas com deficiência e LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais e demais identidades de gênero e sexualidade).
Esse tipo de postagem pode ser classificado como discurso de ódio, termo bastante debatido nos últimos anos e que pode ser caracterizado como tom ameaçador, abusivo ou preconceituoso, adotado contra um grupo determinado de pessoas. Tais mensagens costumam estimular a violência verbal, moral e física contra segmentos sociais específicos – violência esta que é motivada por questões de gênero, raça, etnia, orientação sexual, religião ou origem nacional.
Se há racismo na sociedade, é claro que veremos racismo na internet. E em circunstâncias talvez piores, uma vez que muitos se valem do anonimato para ofender e destilar ódio nas redes. Justamente por conta dessa suposta segurança que sentem, os discursos de racistas, misóginos e xenófobos tendem a ser mais extremistas e radicais.
A impressão de que as redes sociais funcionam como espaço à parte do mundo, somada à ideia de que a liberdade de expressão garante que preconceitos sejam espalhados a torto e a direito, parecem endossar esse tipo de manifestação odiosa no mundo virtual. Porém, a nossa Constituição é clara em assegurar a dignidade da pessoa humana como direito que não pode ser sobreposto pelo compartilhamento de opiniões e ideias que exteriorizem intolerância.
Ainda que as empresas de tecnologia estejam se responsabilizando em parte pelo que ganha visibilidade nas plataformas, excluindo conteúdos que incentivem a violência e outras condutas consideradas impróprias, a facilidade e a velocidade do compartilhamento de opiniões no meio virtual é grande demais.
Por isso, parte da solução passa obrigatoriamente pela conduta individual de cada um de nós. E é por isso que precisamos, todos e todas, de educação midiática. É necessário que crianças e jovens aprendam desde cedo a desenvolver uma leitura crítica e uma postura ética no mundo conectado, compreendendo os impactos da tecnologia nas nossas vidas e a importância de criarmos um ambiente digital saudável.
A escola pode promover essa mudança cultural ao discutir o discurso de ódio, mostrando o quanto essa prática pode ser danosa tanto para a vítima, causando depressão, baixa autoestima e até tentativas de suicídio, quanto para o agressor, que sofrerá as punições previstas na lei.
Sugestões de atividades não faltam: efemérides como o Dia da Consciência Negra podem servir como disparadores de conversas e atividades. Além disso, posts de pessoas famosas que sofreram preconceito – como a própria jornalista Maju Coutinho – podem ser extensivamente debatidos em aulas de humanidades, como História e Sociologia.
O ódio prejudica a democracia na medida em que a incitação à violência fere a dignidade humana. Todos podem ajudar no combate às expressões odiosas ao se responsabilizarem pela linguagem que utilizam e ao impedir que essas mensagens ofensivas se disseminem. E isso começa – como quase tudo – com educação.
*Texto escrito por: Isabella Galante, colaboradora do Instituto Palavra Aberta e Mariana Mandelli, coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta. O Instituto Palavra Aberta colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no Blog Educação e Mídia.
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