Iniciativas que admitem os games eletrônicos como recurso pedagógico são cada vez mais comuns na educação formal. O surgimento de empresas e softwares que se destinam às atividades escolares, direcionados, inclusive, às disciplinas básicas, como matemática e português, refletem, em certo sentido, o comportamento das sociedades da atualidade, que incorporaram os jogos às vivências do cotidiano.
Até meados dos anos 90, eles eram associados ao público jovem, estavam restritos principalmente aos consoles, e não contavam com temática nem estrutura tão abrangentes. A maioria das opções disponíveis para o mercado doméstico e nos chamados fliperamas exigiam destreza dos players, que tinham de demonstrar principalmente suas habilidades na manipulação das setas direcionais e no acionamento de determinados comandos: atirar, desviar, chutar, defender, correr, agachar, pular...
O desenvolvimento e barateamento tecnológico ampliou o leque de alternativas. Os videogames experimentaram uma crescente sofisticação gráfica, com a criação de cenários ricos em detalhes e histórias complexas, que não se limitam mais apenas a testar os reflexos dos jogadores e ainda permitem que pessoas de diferentes regiões do mundo participem da mesma competição simultaneamente. Algumas destas “partidas” se desenvolvem ao longo de dias, com direito a consulta a fontes externas como manuais, sites, fóruns e canais especializados, além do intercâmbio de informações entre jogadores.
Boa parte destes games integram um conjunto de outros produtos, criados a partir de diferentes linguagens, como os quadrinhos, o filme, a animação e a literatura, que se integram e complementam. Esta interação de histórias, que são narradas em diferentes formas e formatos contribuem para que os usuários vivenciem experiências transmidiáticas.
O comércio de jogos eletrônicos cresce anualmente. Desde de 2007, seu faturamento mundial supera o da indústria do cinema. Em 2017, ultrapassou a casa dos U$ 100 bilhões.
Os números atestam a ideia de que o segmento sofreu uma expansão sem precedentes ao longo das últimas décadas. O surgimento de novos dispositivos e recursos, especialmente os que favoreceram o crescimento da comunicação móvel foram determinantes para a gameficação da vida.
Joga-se não apenas no quarto ou na tv da sala, mas também no banheiro, no transporte público, na reunião de trabalho, na palestra indesejada, no horário do almoço, antes de pegar no sono, na fila do dentista, na escola e, é claro, em sala de aula.
De acordo com pesquisa Inter-Relações Comunicação e Educação no Contexto do Ensino Básico, que foi aplicada pelo grupo Mediações Educomunicativas da ECA/USP em 2018, um quarto da amostra admitiu jogar videogame mais de uma hora por dia. Além disso, 52,3% dos participantes disseram que usam a internet para acessar jogos. Entre as crianças de 10 anos, o percentual alcança 71,6%. Cabe observar que o estudo foi aplicado em 3,7 mil alunos de 23 estados da federação e que cerca de 90% destes estudantes eram matriculados em escolas da rede pública.
Games na escola
Há inúmeras alternativas de jogos eletrônicos disponíveis, muitas delas gratuitas, com finalidades educativas. As plataformas são amigáveis, com origens e aplicações as mais variadas, tendo em comum a valorização de recursos interativos e do lúdico. Outra similaridade é a utilização de linguagens e referências midiáticas que fazem parte das experiências cotidianas dos estudantes, de sua forma de se relacionar nas redes sociais e com os outros meios de comunicação.
Alguns professores da educação básica também têm se apropriado de aplicativos como o Kahoot!, que são amplamente utilizados em turmas de MBA Executivo. Depois de assistir à aula expositiva e de participar dos debates em sala, o aluno recebe um link em seus smartphones ou conta de e-mail e responde a um quiz, que testa os conhecimentos absorvidos com a lição e funcionam como uma espécie de feedback ao docente.
Uma amostra de 1.663 estudantes, entre 10 e 19 anos, que participaram da pesquisa aplicada pelo MECOM, responderam a uma pergunta aberta. O objetivo era identificar o que principalmente estes jovens faziam quando estavam conectados à internet.
Chama atenção o fato de que o verbo “jogar” aparece em 192 respostas. Ligeiramente abaixo de “pesquisar” (204) e acima de “assistir” (189). Outras ações que envolvem os órgãos dos sentidos, como “ouvir/escutar” (85) e “ler” (83) foram muito menos representativas, o que sugere um possível interesse maior dos alunos por aquelas atividades nas quais eles exercem postura ativa.
Se os dados confirmam as expectativas juvenis por maior protagonismo e práticas pedagógicas mais dinâmicas, cabe ponderar em que medida a adoção destes recursos não tendem a desprivilegiar outras habilidades envolvidas no processo de formação, que estão relacionadas à disciplina, ao contato, à leitura, à compreensão e à assimilação de conteúdos, enfim, atividades que exigem reflexão, análise e organização de ideias.
Criar estratégias educativas que aproximam a escola e os professores dos estudantes favorece e facilita o processo de ensino-aprendizagem, tornando-o mais efetivo e abrangente. Os games estão presentes nas vidas dos jovens, inclusive se sobrepondo e competindo com as responsabilidades ligadas à educação formal. O grande desafio dos condutores destas iniciativas é evitar a mera incorporação instrumental dos jogos nas atividades de sala de aula, propondo aos aprendizes, sempre que couber, um olhar crítico em relação aos efeitos negativos da gameficação da vida: a competitividade excessiva, a individualização da experiência, o isolacionismo social, a redução dos afetos, etc.
*Texto escrito por: Douglas Calixto, jornalista, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. A dissertação “Memes na Internet – entrelaçamentos entre Educomunicação, cibercultura e “zoeira” de estudantes nas redes sociais” rendeu o prêmio de melhor mestrado da ECA-USP em 2017 e o prêmio de melhor mestrado do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom) em 2018. É atualmente supervisor de Comunicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e pesquisador do MECOM (Grupo de Pesquisa Mediações Educomunicativas).
*Rogério Pelizzari, Doutor e mestre em Ciências da Comunicação, especialista em Gestão de Processos Comunicacionais pela ECA-USP. Jornalista e publicitário, atua há 20 anos com comunicação pública e desde 2010 é professor universitário. Pesquisador pelo Grupo de Mediações Educomunicativas (MECOM), desenvolve trabalhos voltados à cultura juvenil e, em especial, ao papel da música no processo de formação de estudantes da educação básica.
O MECOM colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no Blog Educação e Mídia.
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