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O conceito de “última milha” (“last mile”) no universo do empreendedorismo, assim como das maratonas, é um tanto cruel. Muitas empresas “start ups” morrem nessa etapa e muitos atletas desistem das corridas. Isso porque se trata da reta final: um concentrado de desafios e variáveis que precisam ser superados em um momento em que a energia é escassa (muito trabalho realizado até agora!) e o tempo está se esgotando. Esse conceito pode ser utilizado também quando falamos da aprendizagem baseada em projetos de uma escola.
O PBL (“Project Based Learning”) é um conjunto importante de princípios que auxilia educadores e estudantes a experimentarem metodologias mais contemporâneas, superando o modelo de “aula expositiva” e aproximando a vida da escola com o mundo além de seus muros. Engajam o grupo na experimentação de soluções a questões concretas, reais e colocam todos de fato com a mão na massa.
É o campo em que muitas práticas de educomunicação e educação midiática conseguem trabalhar com mais liberdade e inovação. Mas o trabalho por projetos só se tornará inovador se for imerso na comunidade escolar, dialogando com ela, buscando parcerias e desenvolvendo protótipos de soluções com impacto social, pois há sempre o risco de o PBL repetir a aula expositiva e a simulação de laboratório.
Sem um planejamento e um entendimento maior do percurso de aprendizagem do projeto, a “última milha” pode se tornar extenuante para os envolvidos e comprometer os resultados. Ao longo de uma construção de um PBL, a questão da relevância comunitária é gradativamente considerada, mas é precisamente nesta última milha que o impacto na comunidade realmente poderá acontecer, pois nem sempre o grupo planeja corretamente a vida de um projeto. Quando o produto final em questão é a elaboração de uma revista digital comunitária, por exemplo, é interessante que a revista seja desenvolvida, ao longo do processo, com pautas debatidas, materiais diagramados e finalizados.
Depois disso, pode surgir uma questão fundamental: além da escola, quem irá lê-la? O público-alvo seria uma questão inicial que, por não ter sido pensada a fundo, assim como a distribuição, pode causar uma insatisfação tanto no produtor quanto no receptor. O ideal, então, seria a elaboração de um plano de publicação, distribuição e comunicação, visando leitores de fora da escola para gerar visibilidade.
Porém, na última milha, educadores e educandos estão exaustos para pensar nisso e o tempo torna-se escasso. O resultado pode ser satisfatório, depois que todos os pais e colegas tiveram acesso à revista, mas, ao mesmo tempo, o impacto na comunidade é menor do que poderia ser se alguns pontos tivessem sido pensados e preparados melhor durante o processo. Não é incomum experimentar uma sensação do tipo “nosso trabalho poderia ser maior ou mais relevante".
Não há como escapar totalmente da angústia da última milha, afinal ela deve ser percorrida. Mas pode ser menos doloroso se o grupo considerar os seguintes itens durante o processo:
- Qual é o público direto do projeto?
- Qual a melhor forma (física ou digital) de viabilizar o projeto?
- Que parcerias, dentro e fora da escola, podemos mapear para que nosso projeto possa expandir seu impacto na comunidade?
- Que plano de comunicação posso traçar para tornar o projeto visível?
Nunca é tarde para lembrar que o impacto do projeto na comunidade não é um adorno, mas parte essencial do PBL. Se não propusermos que esse diálogo seja real e impactante, corremos o risco de criar outra “simulação” dentro da escola, repetindo assim o modelo curricular “tradicional” e os comportamentos da velha escola.
Afinal, trabalhar com projetos é a oportunidade de a aprendizagem ganhar relevância para os estudantes e o produto ir além dos muros da escola.
Alexandre Le Voci Sayad é jornalista e educador, diretor da ZeitGeist e co-chairman internacional da aliança internacional da UNESCO em educação midiática, a UNESCO MIL Alliance. É autor do livro "Idade Mídia - A Comunicação Reinventada na Escola", entre outros. É apresentador do programa "Idade Mídia", no Canal Futura, e do canal MídiaMundo no Youtube. É membro do conselho consultivo do programa Educamídia e do conselho científico da revista acadêmica Comunicar (Universidad de Huelva, Espanha). É também pesquisador em Inteligência Artificial e Ética da PUC-SP.