Como grande parte dos educadores brasileiros, durante muito tempo fui resistente em reconhecer a qualidade dos cursos ofertados a distância, principalmente no Brasil. Pelos estudos que eu havia realizado até então, minhas convicções negativas sobre EAD estavam calcadas em alguns princípios, como a dificuldade dos estudantes brasileiros quanto à concentração e autodisciplina para organizar seus estudos de forma individualizada, a necessidade de interação direta e presencial entre professor e aluno para a efetiva aprendizagem, e a necessidade de constante supervisão dos docentes sobre seus alunos.
No entanto, com o avanço tecnológico e o surgimento da internet, que trouxe diversas ferramentas, como e-mail, redes sociais, fóruns de debate, Skype, podcasts, entre outros, passei a observar que, nos cursos de EAD, alunos e professores passaram a estabelecer comunicação em tempo real, derrubando barreiras físicas, permitindo que a educação a distância atingisse novo patamar de agilidade, interatividade e eficácia.
Houve, então, uma explosão na oferta de cursos em EAD no Brasil. Em 2017, entre os ingressantes na graduação, três a cada dez estudantes se matricularam nessa modalidade. Esse crescimento se deu também porque instituições tradicionais e de referência em qualidade no ensino presencial, que até então tinham certa resistência em implementar a EAD, passaram a ofertar cursos nessa modalidade e egressos desses cursos ocuparam espaço no mercado de trabalho, demonstrando satisfação com o aprendizado. Esses profissionais começaram a gerar resultados e a mostrar aos empregadores que era possível uma formação educacional de qualidade sem que fosse necessariamente no modelo presencial. Em função disso, e das novas exigências por parte dos órgãos reguladores da educação, as instituições educacionais reformularam currículos e metodologia, bem como investiram na qualidade de seus cursos, mostrando para a sociedade que era possível realizar um trabalho sério e comprometido com a qualidade de ensino. Considero mesmo que a grande quebra de paradigmas com relação à EAD se deu quando concluintes dos cursos de graduação a distância passaram a apresentar, nas avaliações oficiais do MEC, resultados iguais ou superiores aos concluintes dos cursos presenciais.
Com a flexibilização do marco regulatório e com o crescimento exponencial de cursos EAD no Brasil, observei que enquanto algumas instituições ofertantes investiam na excelência acadêmica, outras ingressavam ou ampliavam seus negócios nessa modalidade com o intuito de aferir mais lucros sem dar a devida atenção para a qualidade do ensino. A ampliação significativa das vagas sem o planejamento adequado e as mensalidades baixíssimas de algumas instituições privadas, que pretendem captar alunos a qualquer custo, impossibilitam a garantia da qualidade mínima exigida. Se por um lado estamos conseguindo popularizar o acesso à educação superior, por outro estamos, de certa forma, enganando uma parcela de alunos, fazendo-os crer que estão adquirindo a capacitação necessária para ingressarem no mercado de trabalho, o que, de fato, no futuro, pode não ocorrer, frustrando assim todas as suas expectativas e fazendo com que esse investimento não traga os retornos esperados.
Em conversa com gestores, alunos e egressos de cursos EAD, percebi que surgiram muitas queixas e preocupações com relação à qualidade das aulas ministradas, à baixa exigência nas avaliações e obrigações acadêmicas, bem como à falta de qualquer tipo de controle para verificar se, de fato, o aluno está ou não participando das aulas e das atividades propostas.
Isso pode pôr em xeque boa parte da credibilidade conquistada pelos cursos nessa modalidade implantados ao longo de muitos anos no Brasil. A mercantilização da EAD em algumas IES privadas pode resultar em sérios retrocessos, sobretudo considerando a insatisfação por parte do mercado de trabalho ao receber alunos sem as mínimas condições de atuação. Ainda que eu continue acreditando na EAD, inclusive utilizando-a com frequência nos programas de formação voltados à educação que organizo, acredito que seja importante estabelecermos um real debate sobre a qualidade de todo processo, buscando inspiração em países que, ao passo que avançam de forma significativa nos cursos a distância, não abrem mão da excelência do ensino.
*Texto escrito por Renato Casagrande, Professor, Presidente da Instituto Casagrande. Doutorando em Educação, Mestre e bacharel em Administração, Licenciado em Matemática e Especialista em Liderança Educacional. Conferencista, Pesquisador e Consultor em Educação e Gestão. Referência nacional na formação de professores, gestores e na geração de resultados para instituições educacionais. Autor de livros e artigos publicados tanto no Brasil, quanto no exterior. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no Blog Educação e Mídia.
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