Marcelo Elias/ Gazeta do Povo| Foto:
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A filantropia poderia salvar nossas escolas da miséria e nossos jovens de repetir o pior dos destinos – a falta de conhecimento

Nem sei se você sabe, caro leitor, mas em Campina Grande do Sul, na Região Metropolitana de Curitiba, funciona desde o início dos anos 2000 a Casa Beato Sarnelli. Ali vivem perto de 40 jovens, com mais de 18 anos, a maior parte deles egressos de programas sociais dos governos, nos quais não se deram muito bem. Como depois da maioridade os brasileiros vulneráveis ficam na rua da amargura – desprotegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente –, o destino costuma ser cruel. Voltam ao ponto de partida, num flagrante desperdício de tempo, dinheiro, de vida. Eis a tragédia.

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Foi esse absurdo que mexeu com a cabeça do padre irlandês Patrick McGillicuddy. Redentorista de cara redonda e rosada, cabelos muito brancos e inteligência tão aguda quanto sua generosidade, o padre Patrício, como gosta de ser chamado, empenhou sua herança para construir o colégio de Campina Grande. Como diz o caboclo, “ali é tudo do bom e do melhor”. E com afeto, sem o qual o esforço seria palha que o vento leva.

Além da boa casa onde moram, os jovens desfrutam de instalações adequadas para o ensino, bem diferente dos puxadinhos reservados aos programas sociais em geral. Os professores são particulares, até que o aluno atinja a idade/série. Os resultados alcançados podiam estar estampados na Bandeira Nacional, tão bons são. Desacreditados – afinal, o país já tinha lhes dado umas tantas chances – os moradores alcançam ali a um altíssimo grau de perseverança.

Em mais de uma década de funcionamento, não mais do que três moradores teriam desistido do projeto. E mesmo que fossem mais as baixas, nenhum demérito. Pelo menos 20 moradores da Casa Beato Sarnelli já concluíram o curso superior, meia dúzia deles com mestrado. Não estivessem ali, talvez tivessem sido tragados pela rua. Se pensou em milagre, não se trata de um exagero.

Por que digo tudo isso? Já faz anos que conheci o projeto do padre Patrício, mas permaneço impactado pelo que vi, pelos jovens que conheci na obra. Admira-me o que ele conseguiu, desafiando as estatísticas. Impressiona sobretudo a clarividência de perceber que o melhor que se pode deixar para um jovem em situação de rua é o estudo, com o qual vai trilhar seu próprio caminho. Fazemos esse discurso, aliás, com os pés nas costas. Mas o religioso irlandês o transformou em realidade.

Para além de tudo isso, queria citar uma firula dita pelo redentorista, numa das vezes que estive com ele. “Me espanto, os brasileiros são pouco filantrópicos”, comentou, sem mais. Com longo período vivido nos Estados Unidos, lembrou das orquestras que lá são mantidas por contribuições dos ouvintes. Das obras sociais sustentadas pela força de comunidades. De pronto lembrei da dificuldade de nossas escolas em manter os grupos de egressos. Da nossa falta de gratidão com a escola. E do que poderíamos aprender com a escola de Campina.

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Claro, há quem aja diferente. Há duas semanas estive com ex-alunas da Escola Municipal Papa João XXIII, no Portão, todas dispostas a passar uma mão de tinta, um rastelo, e o que mais for preciso para manter o colégio onde um dia aprenderam as primeiras letras. Mas ainda não é regra. Impossível não lembrar do que Roberto DaMatta escreveu em A casa e a rua, sobre as relações pouco amistosas que temos com o espaço público.

Esse mal é fruto de tantas rasteiras que levamos ao longo da história. Virou uma mágoa cultural, regada a engano, ressentimento, traição. Mas diz respeito também à nossa dificuldade em fazer políticas corajosas, violentas. Nossas escolas poderiam ser melhores – e, por tabela, nossos alunos – se adotadas pela comunidade. Se empresários as olhassem, para além do cinismo de que já abastecem o Estado. Pois nem as instituições mais agraciadas, como a Escola Municipal São Luís, notaço no Ideb, desfruta da simpatia filantrópica.

Sabemos que Campina é possível, “só que não”, como gosta de dizer a moçada. Quem tiver alguma ideia para virar esse disco, levante a mão.

>> José Carlos Fernandes é jornalista na Gazeta do Povo e professor no curso de Jornalismo da UFPR e de pós-graduação na Universidade Positivo.

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