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Costa da Caparica, Portugal. Um bonito fim de tarde em família foi ofuscado pelas falas racistas de uma mulher branca que passava em frente ao restaurante Clássico Beach Bar. Dirigindo-se a duas crianças negras e a uma família angolana, a criminosa pedia que eles deixassem o restaurante e voltassem para a África, entre outros absurdos preconceituosos. O vídeo em que a mãe delas, a atriz brasileira Giovanna Ewbank, toma uma atitude para defender seus filhos viralizou nas redes sociais neste mês, mostrando como a tecnologia pode ser aliada na denúncia e na conscientização sobre comportamentos racistas.
Infelizmente, crimes como esse não são novidade em Portugal, muito menos no Brasil. Em 2020, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial do país lusitano registrou 655 denúncias. Dessas, 30% foram de discriminação contra a cor da pele e origem racial da pessoa envolvida. No Brasil, esse número é ainda maior: 1.016 casos de injúria racial foram denunciados ao Ministério dos Direitos Humanos no último ano.
Segundo o Datafolha, nove em cada dez brasileiros concordam que a discriminação racial deve ser discutida em sala da aula. Precisamos preparar nossas crianças e jovens para identificarem situações racistas e denunciar às autoridades competentes. Somente dessa forma teremos uma nova geração consciente de seus deveres e direitos como cidadão, contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária.
Estudos comprovam que o racismo vivenciado durante a infância, como o sofrido pelos filhos de Ewbank, afeta o desenvolvimento físico e mental das crianças. Levantamentos realizados pelo Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard apontam que a ativação dos sistemas de respostas ao estresse por longos períodos pode afetar o desenvolvimento cerebral das crianças, afetando o aprendizado e o comportamento. Ou seja, garotos e garotas que passam por esse tipo de estresse podem ter sua autoestima minada e o desempenho escolar reduzido.
Tratar o assunto em sala de aula não é tarefa fácil. Um possível primeiro passo é mostrar aos alunos negros que você acredita e confia neles, pois, infelizmente, a desconfiança na relação professor-aluno pode começar já na pré-escola. Uma pesquisa realizada pela Universidade de Yale comprovou que, mesmo sem querer, professores dessa etapa de ensino têm uma expectativa subconsciente de que seus alunos pretos terão problemas de comportamento. Portanto, reforce, sempre que possível, a confiança e autoestima desses alunos.
Outra abordagem possível são rodas de conversas sobre o tema. Estimule os alunos a compartilharem suas experiências, mesmo que de forma anônima, e buscarem, juntos, soluções para combater o preconceito. Toda a escola pode se envolver nesse processo. Desenvolva projetos em que a contribuição negra na cultura brasileira seja reconhecida, como a leitura de textos e imagens para reprodução. Murais, cartazes e até receitas podem ser multiplicados pelos alunos, reforçando a temática racial. As mídias podem (e devem) ser aliadas nesse debate.
Por isso, o uso de filmes e séries que abordam a temática racial são ótimas ferramentas pedagógicas, principalmente com turmas mais velhas. A série Cara Gente Branca, por exemplo, reforça como a luta contra o racismo deve ser constante. Assuntos como a apropriação cultural, racismo reverso e o colorismo são temas abordados pela produção norte-americana. Durante a exibição, discuta as cenas e procure desenvolver atividades relacionadas com os temas dos episódios.
A situação ocorrida com Titi e Bless Ewbank em Portugal certamente não teria a mesma repercussão se não fossem os registros feitos por uma câmera de celular. Nesse sentido, muitas denúncias de atos racistas em espaços públicos, como shoppings, parques e estádios de futebol vêm sendo realizadas. Esse tipo de material também pode provocar conversas entre os estudantes: é importante que eles saibam que se manter neutro em situações racistas não deveria ser uma opção. Ao presenciar tal fato, o ideal é gravar o ocorrido e chamar a polícia militar. Quando a violência for online, o importante é reunir provas e denunciar o usuário ao hospedeiro da rede social.
Sonhamos com o dia em que as situações racistas dentro e fora da sala de aula façam parte de um triste passado. Até lá, são necessários esforços de toda a sociedade para assumir uma postura antirracista. O racismo não pode ser encarado como um problema apenas para os negros resolverem. A mudança precisa ser promovida por todos, nas práticas diárias. E ela deve começar na sala de aula.
Elisa Thobias é educomunicadora formada pela Universidade de São Paulo (USP), analista de comunicação do Instituto Palavra Aberta e colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no Blog Educação e Mídia.