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Compreender o outro: para uma escola integradora da diversidade autista

(Foto: Aniele Nascimento) (Foto: )
(Foto: Aniele Nascimento)

(Foto: Aniele Nascimento)

As concepções pedagógicas modernas consideram que, no espaço escolar, ensinar e aprender envolve toda a comunidade – alunos, professores, funcionários, pais/mães, e é uma via de duas mãos: todos aprendem e ensinam uns aos outros. Esse processo educativo, que está para além da sala de aula, deve ter como norte principal o convívio e valorização da diversidade, eixos centrais no processo de aprendizagem. Assim, é fundamental desenvolver mecanismos – legais, pedagógicos, práticos – para trabalhar em todos os espaços da escola a ideia de que as diferenças são positivas. Conviver, compreender, aceitar, ver beleza no “outro” são os grandes desafios!

Tendo em vista essa diretiva, muito se tem discutido atualmente sobre um aspecto particular: a chamada inclusão escolar. São crescentes as preocupações mundiais com o tema, especialmente no que diz respeito à inserção das crianças (e jovens) autistas ou, como também se costuma chamar, com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Até pouco tempo esses alunos estavam praticamente restritos ao ensino especial, em instituições especializadas. Ou seja, eram alijados do convívio com os “outros”. No Brasil, a lei nº 12.764/12 estabeleceu recentemente a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, consolidando as responsabilidades de diretores, professores e pais/mães na tarefa de incluir crianças com esse quadro na educação regular.

É preciso atentar para o acelerado crescimento dos casos de autismo, que é mundial. Para termos uma ideia, basta verificar os números comparativos das crianças com o transtorno nos Estados Unidos, onde entre 2012 e 2014 aumentaram em 30%, chegando a um para cada 68. Tendo em vista esse quadro, é fundamental que as escolas e todos os seus entes desenvolvam maior conhecimento sobre como atuar na direção de compreender esse “outro” cada vez mais presente, cada vez menos “outro”. Aqui, cabe pensar que o desafio da diversidade se tornou algumas vezes maior: como compreender e incluir alunos cujas dificuldades e limitações estão na socialização, linguagem e comportamento – pilares fundamentais do processo educativo e do convívio social?

Aqui, é importante lembrar que há diversidade nas características de cada pessoa com TEA. Assim, alguns se expressam com facilidade, enquanto outros têm baixa comunicação verbal. Há casos de crianças mais sensíveis à aproximação social, enquanto outras não se relacionam. A despeito desses níveis variarem, havendo outras individualidades que compõem esse quadro de características, pesam sobre todos as dificuldades de seguirem padrões sociais, cognitivos e comportamentais considerados normais.

Vejamos um exemplo: crianças com TEA podem ficar muito incomodadas com quebras de rotina. Assim, se uma atividade que acontece num dia específico da semana não acontecer, isso pode causar um efeito adverso, que pode se expressar de forma intensa, seja na forma de gritos ou reações físicas agressivas. Isso afeta de forma direta os padrões desejáveis de comportamento dentro de sala de aula. Ao romper com a “normalidade” do ponto de vista do autista, estaremos causando um impacto maior do que em crianças que não tem o transtorno. Agredir ou gritar também são formas de expressão que devem ser compreendidas como parte das formas de expressão dentro do espectro do autismo, e, da mesma forma, tratada adequadamente. Esse é um dos motivos pelo qual é importante, em boa parte dos casos, o acompanhamento de um tutor, professor auxiliar que estará não só dando suporte pedagógico aos aspectos do ensino aprendizagem, mas tentando contornar de forma adequada esses momentos. É desejável, como prevê a lei, que esse profissional seja especialista em educação especial e conheça o TEA.

O gosto infantil pela verbalização, pelo frenesi físico e por momentos ruidosos como o recreio, com intensidade de falas, movimentos e barulho podem, para as crianças com autismo, ser muito incômodas e indesejáveis. Mais uma vez, o mundo da escola pode não se coadunar com o mundo das crianças TEA. Saber que essas atividades consideradas positivas pela maioria das crianças e compreender que venham a causar impacto negativo sobre os autistas é muito importante.

Incluir efetiva e afetivamente as crianças e jovens com o transtorno no cotidiano escolar, exercitando suas potencialidades e respeitando suas diferenças é uma necessidade premente da educação contemporânea. A Declaração de Salamanca, documento de referência mundial sobre políticas e práticas inclusivas, escrito em 1994, propõe que o ensino deve ajustar-se às necessidades de cada criança, em vez de cada criança se adaptar aos supostos princípios quanto ao ritmo e à natureza do processo educativo e as escolas integradoras devem partir do princípio de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter.

Estamos ainda, a meu ver, longe de conseguir tal feito. Há instituições particulares que dificultam o acesso das crianças autistas ao ensino regular, pois é direito dos pais que o ônus financeiro do tutor seja da escola. De outra parte, a rede pública, ainda que contemple maior diversidade geral, também não está ainda preparada para receber – nem compreender – esse mundo particular dos TEA. Aprender de acordo com seu ritmo, fazer amigos – ainda que poucos –  e ser feliz no convívio escolar são as tarefas que se colocam para mães, pais, alunos, professores e direção das instituições de ensino.

Deve haver uma sensibilização pública sobre essa causa, com a afirmação de toda comunidade pelo compromisso de uma escola integradora, que promova atitudes positivas entre as crianças, professores e o público em geral. E isso deve se dar por meio de ações cooperativas, colaborativas, coletivas com foco no fomento de pensamentos e atitudes inclusivas.

* Artigo escrito por Otavio Zucon, professor, historiador, videodocumentarista, pai da Aurora (criança com TEA), de 8 anos, e produtor da Parabolé Educação e Cultura, que desenvolve projetos culturais de interesse social e educacional. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no Blog Educação & Mídia.

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