Creio que há muito a eletricidade tenha perdido o lampejo de mistério, a aura sobrenatural. Ninguém mais (acho eu!) pensa que raios são instrumento de deuses, nem trovões, redecoração de alguma sala celestial. Mas me permitam fazer aqui um pequeno nostálgico Frankenstein. Uma colagenzinha de textos. Ou melhor, de recordações.
No dia 26 de junho, escreveu uma famosa cronista: o mundo era uma grande casa em desordem. Onde todos gritavam e reclamavam e ninguém se entendia. E, com tão generalizada confusão, os que saberiam falar coisas úteis, não poderiam ser ouvidos. Fora os muitos que sofriam calados. Ah! Pobres! Esses eram os mais desprezados.
Não, não se trata sobre os protestos que enxamearam, e ainda chamejam nas ruas, circundando esse nosso atípico solstício. Muitos rodopios ao redor da estrela separam aquele comentário dos nossos dias. “Desordem do mundo” foi uma crônica que Cecília Meireles publicou no “Jornal de Notícias”, em 26 de junho de 1948.
Difícil é dizer que o tema é anacrônico, ultrapassado. Muito se lê por aí sobre o receio de escrever sobre a atualidade. Fala-se algo com grande convicção, e o amanhã traz acontecimentos tão novos, que as conclusões não valem mais. Erra-se (em mais de um sentido!) e se corrige. Mas se fala (e como a gente fala, meu Deus!), porque é necessário falar, pensar alto. Será? Tanto?
Não faz muito (2009), alguns jornais argentinos focalizaram uma polêmica. Havia um excessivo uso de palavrões, o então técnico da seleção (melhor jogador do mundo na opinião de alguns) havia mandado que os críticos fizessem algumas coisas pouco dizíveis usualmente numa entrevista coletiva. E muitas autoridades entraram na onda. Era uma xingação só.
Surpreendeu porque os jornais chamaram os linguistas. Tão raro chamarem especialistas (aliás, hoje em dia, os há em tudo!) de Letras a darem declarações, que nunca esqueci. “Qué pasa?” E eles disseram que a língua estava perdendo a sua função de mediadora, de dirimir conflitos. Ao contrário, estava sendo usada como ferramenta de agressão. Pior, sem um alvo. Ali, para todos verem, todos éramos potenciais vítimas. Como as pequenas caixas dos desenhos animados (antigos), abre-se, e a luva de boxe impulsionada por uma mola: “soc!”
Pois é, e o que se passa? Afinal, tão habitual se tornou o quebra-pau na virtualidade, não? Já nos 70, era o rei do rock brasileiro dizendo que “Eu também vou reclamar”. Há, pois, tantos especialistas, tão difundida está a cultura, que todos são hábeis a divergir de tudo?
Os anglófonos, pesquisando, dataram a expressão “we agree to disagree” lá nos idos de 1700. Discorda-se muito por aqui. Mas é um pouco diferente. E já se lê por aí a expressão que dá título a esse texto Frankenstein: “concordamos em discordar”.
E não é o velho cor-ação? Pois, sim. Aqui, os acordos passam por esse ancestral radical, cerne da palavra: “cor”. Con-cor-dar, de fato, vem do nosso reloginho do lado esquerdo do peito. Deve ser isso. Todas essas cor-diais discussões. Muitas vezes sem efetiva razão (ou racionalidade) alguma.
Falamos pra caramba. A própria cintilante Cecília, a cronista aqui citada, escreveu para diversos jornais, principalmente sobre Educação, desde lá o início do século XX, até o fim.
Os deuses (e deusas!) me livrem de usurpar a autoridade dos autos e altíssima figura aqui citada. Não é a intenção. Muito pelo contrário, o que aqui se buscou foi atar algumas coisinhas que a gente sabe decor. Costurar um pequeno corpus que, como todo o texto, somente ganha vida aos olhos do egrégio leitor. Fagulha verdadeiramente divina que anima o texto.
A intenção é um tanto recordar sobre sempre se pensar um pouco no que se há de dizer, e com educação! Pois a outra centelha, a elétrica, manterá o dito (ou desdito) imortalmente lá. A continuar seus efeitos.
Creio, afinal, que somos nós a “dar vida” a alguns monstros que jazem lá nos cantões. E a criá-los. Aliás, eis aqui um.
>> João Cristiano Fleck é Bacharel em Estudos Literários e membro da Associação Mensa Brasil.
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