Início dos anos 80. Eu tinha 10 anos de idade. Na praça principal da pequena cidade em que eu morava com meus pais e irmãos, no sudoeste do Paraná, além da incrível igreja matriz edificada em paredes de pedra e imponentes vitrais alemães, e do comércio típico das pequenas cidades ao redor desse bucólico local, era possível observar o único ponto de táxi da cidade. Onde a sua cobertura de proteção contra sol e chuva era solidária a um poste que ostentava, numa espécie de “mini casinha” de madeira, o telefone fixo que recebia as ligações dos usuários dessa modalidade de transporte de pessoas. Sentados no banco de madeira, sob esse abrigo e ao lado de tal poste, ficavam sentados os três únicos taxistas da cidade, naquela eterna conversa pautada em amenidades, defronte aos seus três carros estacionados bem próximos, colados ao meio-fio da pouco movimentada rua.
Ano 2019. Passados quase 40 anos me vejo na correria das grandes cidades, me deslocando de um local para outro, por meio de um transporte solicitado com a utilização de um aplicativo em meu smartphone. E ainda, quando ativo esse serviço, o faço com apenas alguns cliques na tela do meu dispositivo móvel, o qual exibe, quase que instantaneamente, diversas informações úteis: nome do motorista, placa e modelo do veículo, sua localização, avaliação com as “estrelinhas”, valor da corrida, etc. De forma natural estou contaminado pela tal inovação evolutiva, que nada mais é do que um processo de desenvolvimento da tecnologia que adiciona funcionalidades, a produtos e serviços, sem que elas necessariamente sejam exigidas pelos clientes. Porém, esse movimento de evolução, inovação e disrupção não para por aqui no que se refere ao transporte de pessoas. Há alguns meses li uma reportagem sobre testes com modalidades de transporte do tipo Uber, Cabify ou 99 táxi, tendo como meio de locomoção não um automóvel, mas um drone autônomo! Tais experiências são feitas desde 2017, na cidade de Dubai, pela empresa Velocopter.
É fácil perceber que diversas organizações conseguem realizar uma rápida leitura de mundo e se adaptar de forma veloz às recentes e extraordinárias formas de tecnologias. Porém, a grande maioria demora a se transformar. E, nesse universo, estão inseridas as instituições de ensino. Observando apenas estas últimas, é possível encontrar algumas que até tentam sair do convencional e promover algo aderente aos novos tempos. Porém, muitas esbarram no peso e na inércia das grades curriculares, da obrigação de um bom desempenho no Enem, das aprovações nos vestibulares e o pior: na própria resistência dos principais atores desse ecossistema – alunos e professores. E essa resistência às mudanças ocorre sob dois pontos de vista.
O primeiro deles vem do relato de professores que dizem ter preparado algo diferenciado para uma certa aula. Porém, no momento da execução, na hora do “vamos ver” em sala de aula, os alunos preferem ficar passivos e enfileirados ouvindo a exposição do professor e assistido a sequência de slides. É como se os alunos dissessem: vai lá professor, faz o seu trabalho e me deixe quieto aqui! E ainda, se o professor insistir nessa quebra de rotina, ocorre uma enxurrada de reclamações na coordenação. O segundo relato vem da outra ponta. Alunos queixando-se de que os professores não fazem nada diferente. Que eles são muito tradicionais e obsoletos. Que as suas práticas docentes são totalmente divergentes do que se espera em termos de desenvolvimento de competências socioemocionais, learning by doing (aprender fazendo) e reskilling – a sobrevivência na era da informação.
Ainda que exista a dicotomia apresentada anteriormente, a necessidade de inovar na educação é iminente. Há urgência para que as instituições de ensino elaborem e executem projetos educacionais desapegados do engessamento de um mindset da escola prussiana ou da esteira em série das linhas de produção industrial. Quanto mais lenta essa ruptura, mais riscos as instituições de ensino correm de serem engolidas por negócios completamente desconhecidos, por soluções que fogem do padrão, por empreendedores e investidores desamarrados dos nós e dos modelos de negócios tradicionais que funcionam da mesma forma há anos.
Estamos na iminência de assistir a um apocalipse educacional. No dia em que, por exemplo, empresas como a Apple, Google, Microsoft, Amazon, Disney, Tesla, Netflix e Facebook, se unirem para criar, conectar, engajar, curar, distribuir, monitorar e entregar experiências de aprendizagem em um mundo em que é possível aprender em qualquer tempo, em qualquer lugar e com qualquer equipamento devidamente conectado, a quebra de tudo o que conhecemos hoje em dia, em termos de estruturas educacionais, acontecerá num piscar de olhos. E esteja certo do seguinte: já tem gente arquitetando algo nesse formato.
Em seu livro entitulado Cibercultura, Pierre Lévy (2010) exibe relevantes preocupações com o atual momento do ensino: um crescimento quantitativo da demanda por formação e a dificuldade de aumentar numericamente a quantidade de professores preparados para essa demanda. Nessa mesma publicação, o autor indica algumas tendências que coexistem nesse cenário singular da educação contemporânea: necessidade de diversificação do ensino e da personalização de experiências, aproximação do ensino presencial da modalidade a distância, as práticas docentes acompanharem a sociedade da informação e as novas exigências para o papel do professor.
Portanto, diante das reflexões feitas até aqui, deixo uma pergunta para finalizar esse texto: se há uma gigantesca demanda por formação em todos os níveis e formatos, e se não temos “professores” preparados para atender a essa demanda, quem vocês acham que entrará no jogo? Quais serão os novos players nesse cenário em constante transformação?
(Estou certo de que você possui boas respostas).
* Texto escrito por José Motta Filho. O Professor Motta é engenheiro, gestor educacional, especialista em Principles of Technology, Mestre em Tecnologias Emergentes em Educação e Consultor em Metodologias Ativas de Ensino, Inovação Educacional e Tecnologias Educacionais.
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